quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Queridos amigos,
Passado o Natal, veio-me à mente divulgar um artigo que escrevi há 37 anos, quando ainda residia em Valença/Bahia e publicado no semanário valenciano "O Manacá". Já nos meus tempos de Ceará, foi publicado pelo jornal "O Povo", em 2001 e divulgado neste Blog em 2007. O trexto, mais condizente com os anos 70, ainda se adequa bem aos dias atuais.
Um Ano Novo de Paz e Alegrias para todos.
Papai Noel está com fome
Aproximam-se as festas de fim de ano, alimentadas pela febre do comprar presente. Passadas ditas festas, restarão o apurar das contas. Às lojas, magazines de luminosas vitrines, o lucro farto e fácil; aos pais abastados, a satisfação do desejo realizado nos olhos brilhantes dos filhos sadios; às famílias remediadas, um misto de prazer e de remorso na contemplação das duplicatas a pagar (resultado da ânsia de igualar-se aos ricos nas compras natalinas); aos pobres, a pobreza de sempre.
São meses de preparação e guerra psicológica: todos os veículos de comunicação martelam nos ouvidos do povo (e, particularmente, das crianças) as “melhores” ofertas do Natal, os mais incríveis brinquedos eletrônicos. “Os sinos de Belém” servem de fundo musical para as mais desengonçadas promoções comerciais. O Deus-Menino é fartamente transformado em garoto propaganda de toda uma parafernália de bagulhos que formam a nossa sociedade de consumo. Às crianças ensinam-se como “convencer” o papai a lembrar-se do presente natalino (sempre o mais caro e desinteressante); às mamães indicam-se o endereço da loja mais sofisticada, que possui o mais sofisticado dos estoques (por um preço bem sofisticado); aos pais orientam-se como obter créditos para as compras do fim de ano.
Será o presente de Natal a suprema realização de uma criança? Bastarão, para a alegria dos rostos infantis, a festa e os abraços de um só dia, contra a indiferença de todos os dias? Quantas crianças alcançam esta efêmera felicidade de um dia? Quem festeja e presenteia as dezenas de milhões de crianças cuja alegria está turvada pelo espectro da pobreza, da doença, da fome, da ignorância? Para estas, toda e qualquer campanha (com “doações” a abater do imposto de renda) não passará de simples migalha.
Onde estarão, nas Noites de Natal, os Pobres da África, os Párias de Calcutá, os Pivetes de São Paulo, os Bacuris do Nordeste, os Mutilados do Vietnã, os Desvalidos do Afeganistão, os Drogados de Nova Iorque? Uns, dormindo sob marquises frias e fétidas, outros nos reformatórios estatais e mais outros fuçando lixeiras à procura de restos. Muitos dirão como aquele pobre de Paris: “Mamãe, traz mais daquelas sobras da feira; elas estavam tão boas ontem à noite...”. Na verdade, todas estas dezenas de milhões de crianças estarão, no Natal como em qualquer outro dia, perambulando pelas ruas, inchadas de verminoses, cobertas de feridas purulentas, envoltas em trapos sujos. Para elas somente há uma solução: uma profunda mudança de métodos que reformule mentalidades, quebre estruturas falidas e renove a confiança no Ser Humano. Enquanto assim não ocorrer, Papai Noel estará com frio, com sede, com febre e com fome...
Juracy de Oliveira Paixão.
Escrito em 1972 para o semanário “O Manacá”, de Valença/BA.
Reescrito em 2001 e publicado em “O Povo” de 23/12/2001, Fortaleza/CE.
Divulgado neste Blog em Outubro de 2007.