terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Meus amigos,

Anexo mais um artigo de (des)Artes & Textos, desta vez dentro do espírito natalino:


O Casulo da Vida e seus Mistérios

A vida não passa de um casulo onde germinam mistérios. Dentre estes, destacam-se os Mistérios da Fé e os Mistérios dos Fantasmas. Os primeiros se mostram coloridos de simplicidade pelo ardor da fé - fé objetiva e materialista. Os segundos se mascaram de roupagem atraente, na expectativa de que se manifestem sua subjetividade e abstração.

São Mistérios dos Fantasmas a esperança de sorte, o desejo de beleza e força, a ânsia por riqueza, a obsessão pelo poder. A simbologia dos Mistérios dos Fantasmas encontra espelho nas pedras preciosas, nos jogos - ditos de azar embora deles se espere sorte – nos búzios, pauzinhos, pedrinhas e apetrechos outros que funcionam como instrumentos condutores de espíritos.
Os Mistérios dos Fantasmas permeiam os sonhos dos esperançosos, alimentam as ilusões e os desejos dos desiludidos da realidade. Cada desilusão com os Fantasmas é um obstáculo a ser superado no caminho do viver.

Os Mistérios da Fé se apresentam na procura por trabalho, amor, sabedoria, saúde, felicidade, paz, honestidade, paciência, êxito. Por serem da fé realistae não daquela dos credos e crenças – dispensam símbolos e espelhos. Sua presença se dá pela perseverança, persuasão, tentativa, afirmação, esforço, procura incessante, coragem. Cada dia na Fé é uma pedra aposta no alicerce da vida.


Fantasmas e são uma simbiose a preencher a Existência Humana. Satisfazem-se os anseios de viver não somente sendo um Hércules herói mas também um Fernão Dias Paes Leme sonhador.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Mais uma noite de boemia

Irará anos 50. Rua Manoel Julião. Bar de Zé Petu. Uma mesa com seis lugares: três copos de cerveja a meia espuma, uma garrafa de Laranja Turva e um par de cálices cheirando a “Dois Leões”. Numa cabeceira, Dante a dedilhar as cordas, afinando o violão. Em frente, Zé Vermelho a pigarrear, aprontando a voz. Ladeando, Agnaldo Maia esfrega as mãos, preparando-se para as palmas. Outros três – platéia – esperam o esperado: noite de boemia, com toque e voz de ouro.

A música – e letra - não se sabe quem compôs ou escreveu. Sabe-se, apenas, que representa o sentimento de cada ouvinte:

O Beijo

O beijo
Pode ser roubado,
Pode ser comprado,
Ou de coração.

Na vida,
Já provei três beijos,
Vou contar, cantando.
Prestem atenção.

Beijo roubado
É um beijo emocionante,
Porém dura um só instante.
Eu provei, quase apanhei.

Beijo comprado
Não é beijo verdadeiro,
Pois tem gosto de dinheiro.
Eu provei e não gostei.

O beijo dado,
Este sim é verdadeiro
Porém dura um ano inteiro,
Para assim poder beijar

E foi preciso
Que com ela me casasse
Pra que ela me beijasse,
Mas assim é bom beijar.

Juracy Paixão. Fortaleza – 12/12/07

sábado, 8 de dezembro de 2007

Novo texto de (des)Artes & Textos


Mandalas há

“Mandala significa círculo em sânscrito. As técnicas de construção de mandalas fazem parte do aprendizado dos monges tibetanos, incluindo a memorização dos textos que especificam os nomes, proporções e posições das linhas principais que exprimem a estrutura básica das mandalas. Estas são, muitas vezes, constituídas por uma série de círculos concêntricos cercados por um quadrado que, por sua vez, é cercado por outro círculo. O centro da mandala representa a essência.”...Na suprema experiência da mandala, as cores e formas são simples metáfora.”... “A união do quadrado – enquanto símbolo da matéria finita – com o círculo – enquanto símbolo da unidade infinita - corresponde ao umbral de uma outra dimensão.”... “O átomo, o cérebro humano, o sistema solar, a via láctea podem ser visualizados como estruturas de mandalas de diversos níveis de hierarquia cósmica.”

Os trechos acima, entre aspas, vieram de diversos sites da Internet, ela mesma uma grande mandala virtual.

Os sistemas político-econômicos que exerceram e exercem sua influência e poder nas diversas partes do mundo são mandalas teóricas, umas a oferecer benesses futuras e duvidosas em troca da labuta atual e certa; outras, de veio científico no estudo da evolução social, se viram transformadas em fatos da história que passou. Deu-se isso com o Socialismo Real, que propunha alcançar o Comunismoo Estado Perfeito - no qual o próprio Estado não existiria como entidade, enquanto as pessoas se interligariam e se interdependeriam.

Sabendo como é egoísta a raça humana, podemos dizer que estaríamos, no Comunismo, diante de uma mandala materialista a oferecer o inalcançável, ao menos enquanto o egoísmo se fizesse presente.

Voltemo-nos, então, para o Capitalismo Real. O que encontramos? Uma hipócrita pregação em favor do Direito Comum (mas usurpado pelos poderosos), da Liberdade Plena (mas restringida por credos e medos). Diz oferecer Vida Livre e Benfazeja, mas de que vida está a falar? A dos assassinos? A dos pedófilos? A dos estupradores? A dos traficantes? A dos genocidas? A dos racistas ou a da grande maioria de seres desvalidos que crescem na miséria e morrem à míngua, observados pelas Luzes da Civilização?

Mandalas há: umas a oferecer o Imponderável, outras o Impossível e mais outras o Indesejável.

Juracy de Oliveira Paixão (Março de 2005).
Somos todos brasileiros?


Baiano residente em Fortaleza desde 1983 e casado com cearense do alto sertão, sinto-me como se fosse, eu também, cearense de raiz. Orgulho-me em morar nessa bela urbis, tão decantada em prosa e verso. Contudo, não perdi meus amores pela Bahia, terra natal. Ofendo-me, bairrista que sou, sempre que vejo comentários desairosos sobre a Bahia, tal como me sinto quando esses comentários são sobre o Ceará.

Faz algum tempo, “O Povo” publicou artigo da jornalista Patrícia Karam, intitulado “Ladeira abaixo”, no qual a articulista faz menção à Bahia e aos baianos de forma bastante depreciativa. Em certo trecho de seu artigo ela escreve: “... - e olha que o nível... ainda é mais baixo que o da baianada.”. Segundo o “Aurélio”, baianada vai de fanfarrice, passa por impostura e chega a patifaria.

O artigo comenta o Fortal e seus ritmos abaianados, evento que eu também abomino. Apenas, poderia a articulista fazer todas as críticas possíveis sem se dar ao papel quase xenófobo de criticar a Boa Terra, até porque agir assim é o mesmo que culpar, por exemplo, a nós baianos, pelos tempos de ACM, como se em cada rincão desse país não existissem outros acms.

Em outro trecho de seu artigo, menciona a jornalista que os grupos baianos copiam, “sem escrúpulos”, a coreografia dos “bailes funks cariocas”. Imaginemos os paulistas começando a espalhar que o cancioneiro do sertão cearense copia as modinhas rurais do interior paulista!!!!

Sou leitor assíduo dos dois grandes jornais fortalezenses. Deixei de ler a coluna da Regina Marshall porque, com freqüência, e por causa de qualquer me dá aquela palha, ela atacava de máfia do dendê e outras xenofobiazinhas, referindo-se à Bahia e aos artistas baianos.

Também não gosto de axé-music, como não aprecio falso forró. Sou fã do abará e do acarajé tanto quanto da rapadura e do baião-de-dois. Mas, o que amo, mesmo, é a escrita independente, quando ética e sem ranços.

A dar-se espaço e vazão a manifestações de timbre xenófobo, com o passar dos anos fatalmente proliferará em nosso país movimento separatista, com as regiões ricas de um lado e as pobres de outro - nesse último, baianos e cearenses igualados pela discriminação.

Nota: Não consegui que "O Povo" publicassse esse meu artigo.

Juracy de Oliveira Paixão

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

2º texto de (des)Artes & Textos


As Asas da Imaginação


O bom da nossa capacidade de imaginar reside no fato de que, imaginando, poderemos sair da letargia. Nossa imaginação - fértil quando estamos ou somos ociosos - nos aponta esplêndidos horizontes, verdadeiros espelhos de cristal nos quais se refletirão nossos desejos mais recônditos: viajar por “mares nunca dantes navegados”, alcançar o cume de todos os everests, possuir a sapiência dos decantados sábios gregos, bafejar a sorte de Noé, galgar postos de faraós, satisfazer a todos com as nossas benesses.

A imaginação nos permite tornar, ainda que de forma fugaz, os nossos sonhos em realidade.

Mas se formos, em eventuais pesadelos, os algozes? Ou se vítimas no mal sonho, dele quisermos nos vingar? Em opaco espelho ofertado pela imaginação, haveremos de fazer fortuna a qualquer preço, agiremos com prepotência e arrogância nas relações com os semelhantes, demonstraremos uma superioridade própria dos mistificadores, seremos lobos saciados a devorar indefesos cordeiros.

As Asas da Imaginação não são senhoras do bem ou do mal. Antes, são frutos da Letargia. Esta, por sua vez, se manifesta conforme as regras do seu senhor.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007



A Incógnita e o Medo


Sempre que nos deparamos com o desconhecido passamos por uma sensação de medo, como se nos sentíssemos vulneráveis a algum perigo.

O desconhecido corresponde a um labirinto, do qual a saída somente é alcançada após várias tentativas frustrantes. Esse labirinto chama-se Vida e nele estamos permanentemente procurando uma saída desconhecida.

No labirinto chamado Vida, a entrada varia conforme as posses e os pretextos: uns a têm decorada com arabescos e ouro, outros a percebem iluminada por nobres archotes. Para a grande maioria, porém, a porta inicial é simples e semelhante. Seja dourada e clara a entrada ou seja ela pobre e nebulosa, a saída sempre estará – se existir saída – num desconhecido final de caminho.

O temor diante do desconhecido é fruto da nossa ignorância e sempre nos infunde incerteza, como se o mal estivesse presente quando da ausência do conhecimento.

O que somos, no Universo? Nada mais que um insignificante grão de areia. Somente nos tornaremos percebidos na medida em que agregarmos conhecimento à nossa imagem. Assim, ela deixará de ser algo difuso, repetido, tornando-se um clarão na noite escura da Incógnita.

Olhamos nossa própria imagem e nos atribuímos beleza, capacidade, ciência, força. Diante da Incógnita, diante da escuridão do desconhecido, não passamos de uma frágil janela decorada em busca de uma luz que nos conduza ao caminho para o Saber.

Atiçada pela Curiosidade, a Ignorância vence o Medo e age como uma alavanca na busca do Conhecimento.

Reconhecer-se ignorante é o caminho para a Sabedoria. No Labirinto da Vida, o Saber é a Saída.

Juracy de Oliveira Paixão (Julho de 2003).

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Nestes tempos em que muitos fazem e poucos se beneficiam, nada mais oportuno do que um poema de Berthold Brecht:


Perguntas De Um Operário Que Lê.

Berthold Brecht

Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?

Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu?

Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?

No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?

A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo. Quem os ergueu?

Sobre quem
Triunfaram os Césares?

A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?

Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.

O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?

César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?

Quando a sua armada se afundou, Filipe de Espanha
Chorou. E ninguém mais?

Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?

Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?

Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?

Tantas histórias
Quantas perguntas.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Abaixo, mais um texto sobre o tema "Fortal e Halleluyia"


O sagrado e o profano

Beira-Mar. Noites de julho. Os acordes estridentes das guitarras, sob o compasso monocórdico dos tambores, fazem encher a avenida. Marionetes verdes, azuis, amarelas e brancas – até vermelhas – saracoteiam como que endemoninhadas, num ritmo que tanto pode ser caribenho ou indígena, cearense ou baiano. Movidos como molas controladas por sinais siderais, os braços se erguem, as pernas se curvam, os olhos se dilatam e as gargantas rugem, num simulacro de canto e grito. É o Fortal que chega, passa e se repete.

Parque do Cocó. Noites de julho. Outros acordes de outras guitarras e tambores agitam a praça. Sob o comando dos locutores, a massa repete o refrão. As marionetes daqui não têm cores – somente rostos. Rostos famintos, descorados, sulcados até, esperam um milagre que jamais chega. O comando estabelece as regras: "Vamos visitar as barracas, coloquem sua contribuição na cestinha, inscrevam-se no concurso de sacolas". Eventualmente, o comando rege: "God Is Love". "Façam sexo somente pela metade". É o Halleluya que anuncia o Dia do Juízo Final e chega, passa e se repete.

De um lado, temos o negócio dos abadás, das lantejoulas, das mamãe-eu-quero. Do outro, mercantilizam-se indulgências, alugam-se vagas no céu, prometem-se ilusões. Tudo pode ser adquirido à vista ou em suaves prestações. O sagrado e o profano seguem as mesmas regras para alcançar objetivos similares.

Onde se encontra o Poder Público, guardião do patrimônio de todos? Como se permite que o sossego dos cidadãos contribuintes seja agredido dessa forma? O direito de ir e vir é cerceado em nome da festança e da bagunça. No dia seguinte, o lixo que enfeia a avenida é o mesmo que se espalha pelo parque. Sujeira não tem cor nem bandeira e tanto é profana quanto é sagrada. Da farra e da oração restam as chagas.

Os césares romanos mandavam dar ao povo pão e circo, a fim de evitar a rebelião. Hoje, o que vemos é excesso de circo e falta de pão. Aqui e alhures.

Certamente, o muito circo e o pouco pão estão fermentando uma enorme batalha social.


Juracy de Oliveira Paixão
Caros leitores,

Fortaleza sofreu, durante anos, duras agressões ao direito de ir e vir e ao uso de áreas públicas, devido à realização de eventos como Fortal - na Beira-Mar - e Halleluyia, no Parque do Cocó. Ambos impediam a livre circulação das pessoas em áreas públicas: o Fortal impedia, até, que moradores da Beira-Mar tivessem acesso às suas residências e o Halleluyia agredia os circundantes do Parque com música religiosa em alto volume até altas horas da madrugada, num claro desrespeito ao silêncio e ao limite que deve regrar a prática religiosa.
Um intenso movimento da sociedade, com ativa participação da Imprensa, terminou por acionar o Ministério Público e os dois eventos foram deslocados para áreas restritas. Cidadãos como eu escreveram artigos, publicados pela Imprensa, que ajudaram a moblilização da população. O texto a seguir é um dos que escrevi sobre o tema.

O Templo e os Mercadores

O Templo era, em Jerusalém, o lugar mais concorrido. Para lá iam os vendedores ambulantes, os encantadores de serpentes, os contorcionistas e prestigitadores, os pedintes, os abandonados pela sorte, os ditos crentes, os descrentes, os sacerdotes e seus asseclas. Nas escadarias laterais pululavam mulheres da vida. O sumo sacerdote tudo permitia, já que de todos recebia compensações.

Neófito em Jerusalém, o Filho de Deus resolveu visitar o Templo. Assediado pelas marias madalenas, subiu, célere, as escadarias e adentrou ao grande pátio. Assustou-se com a multidão ali presente, serpentes silvando, pedintes rogando pragas por suas misérias, ditos crentes fingindo orar, descrentes assíduos na jogatina, mercadores anunciando suas bugigangas. Ofegante e furibundo, o Filho de Deus arrancou o chicote das mãos de um ambulante que conduzia um jumento e, rodopiando o instrumento , esbravejou tonitruante: “Fora, todos vocês, da Casa do Meu Pai !!”. Os mercadores, e encantadores, e pedintes, e crentes, e descrentes, todos assustados, saíram aos gritos, em debandada. Encarando os sacerdotes que, togados, se deleitavam com vinho, uvas e encostos de cetim, o Filho de Deus os desafiou: “ Fariseus, como permitis tal orgia na Casa do Meu Pai!?”. O sumo sacerdote, sarcástico, inquiriu: “Quem sóis ? como ousas expulsar nossos amigos ??”

O Anfiteatro do Parque do Cocó, durante uma semana do mês de julho de todos os anos, em tudo se assemelha ao Templo de Jerusalém, quando ali se realiza o Halleluya. Os mercadores de hoje vendem indulgências, os encantadores de serpentes travestem-se de purificadores de almas, os ditos crentes bradam frases sem nexo, os descrentes lavam a güela com cerveja e a cuca com maconha, os pedintes de araque rogam as pragas de sempre e as marias madalenas, na flor dos seus 12 anos, desfilam entre os transeuntes, debochadas e disponíveis. O sumo sacerdote de plantão promete mundos e fundos para os que renunciarem aos prazeres terrestres e indica os pontos para coleta das contribuições, fundamentais à obtenção dos tais mundos e fundos. O aluguel de vagas no céu tem tabela e exige fiador.

Os archotes modernos, potentes luzes coloridas, aliados seguros do som estridente e dos gritos histéricos, tiram o sossego da vizinhança que, desprovida de chicotes, nada pode fazer.

A titulo de garantir a livre circulação dos moradores, em boa hora o Fortal foi retirado da Avenida Beira Mar. Falta retirá-lo, agora, das proximidades do Centro Dragão do Mar, patrimônio do povo.
Quando os moradores do entorno do Parque do Cocó terão sossego, no mês de julho??

Já é mais que tempo desse Brasil que se diz laico fazer como fez a França e restringir aos ambientes fechados manifestações e atos religiosos que, a título de agirem em nome da Fé, nada mais fazem do que agredir os direitos do cidadão. A fé é ato e decisão particular e, como tal, deve ser manifestada em ambientes próprios, sem ferir os que dela discordam. Agir de forma diferente nada mais será do que ampliar os limites da hipocrisia, da imposição, do desrespeito ao livre pensamento.

O Anfiteatro do Parque do Cocó, anualmente invadido pelos mercadores da fé, pertence ao povo e não pode ser transformado em pátio de falsos milagres, em palco de crenças hipócritas, em poço de mistificação. Área pública não é passarela, não é mercado, não é templo. Deve ser, pura e simplesmente, cenário de cidadania.

Algo há que ser feito, antes que algum filho de um deus qualquer, sentindo-se agredido e privado de seus direitos, encontre um chicote e resolva, por conta própria, expulsar os invasores.

Juracy de Oliveira Paixão

domingo, 7 de outubro de 2007

As Muralhas da Cidade


Na Idade Média, os despóticos governantes, pressionados pelo povo e temerosos da derrocada, construíam fortificações ao redor das cidades, visando protegê-las contra o inimigo externo. Tais fortificações, muralhas de cal e pedra, transformaram-se em verdadeiras obras primas, muitas delas ainda sobrevivendo ao passar do tempo. Os habitantes , sentindo-se devidamente guardados, levavam sua vida de súditos na tranqüilidade permitida pela miséria e ignorância de então.

Nossa Fortaleza, loira desposada pelo sol, também possui suas muralhas, que a protegem, não do inimigo externo, mas da beleza do mar, do verde das matas ciliares de seus rios, da natureza que a corta e cerca. Tais muralhas, construídas sob o olhar complacente dos governantes democráticos de hoje, impedem que seus habitantes, nem tão miseráveis nem tão ignorantes, possam ver o verde do mar bravio, a beleza das plantas e o correr das águas.

Evidentemente que estou me referindo às barreiras de arranha-céus que se erguem na faixa litorânea e às margens do Cocó, num verdadeiro atentado contra o direito de convivermos em harmonia com a natureza.

Os governantes de hoje, eleitos pelo povo, são incapazes de entender que a proteção que o cidadão precisa não é a das fortalezas da Idade Média, mas a decorrente da conquista democrática e da cidadania. Incapazes – ou coniventes –, tais governantes se limitam a assinar decretos, a promulgar leis e a recolher taxas. O resultado é o isolamento crescente da população em verdadeiros currais de concreto. Esta, indefesa, vê seu patrimônio natural ser dilapidado pela insânia e pela ganância desenfreada dos especuladores.

Cada vez menos nossa vista pode vislumbrar o azul do mar; cada vez menos sobra espaço para as verdes plantas vicejarem. Os rios, espremidos e poluídos, secam.

Os órgãos de fiscalização se limitam ao texto regulamentador de normas e leis arbitrárias, que nada garantem:

Os Órgãos de Classe verificam se a obra em curso tem um técnico responsável. Não importa se o empreendimento é responsável. O que tem valor e a existência corporativista de um técnico assinando a barbárie.
A SEMACE cobra uma análise de impacto ambiental. O que se busca não é evitar esse impacto, mas constatar se a natureza, agredida, agüenta mais uma agressão.
A Prefeitura quer saber se um alvará foi concedido, com o devido preenchimento das petições e recolhimento das taxas. O orçamento municipal precisa ser alcançado, mesmo que seja às custas da natureza.
Os Guardiães das Leis respondem que somente podem agir se provocados, embora os caminhos para a provocação sejam cobertos de pedras pontiagudas.
O Estado, sobranceiro, diz que o problema não é de sua alçada. Como sabido, a omissão é a mais grave forma de conivência.

Cabe ao povo apenas lamentar que a evolução dos tempos tenha feito prosperar a insanidade, a desídia e a absoluta falta de responsabilidade.

O Cocó, e suas margens, pedem socorro. Somente uma cruzada cívica dos cidadãos conscientes poderá garantir a preservação do que ainda nos resta de natureza.

Juracy de Oliveira Paixão
Abaixo sugestões para mensagens natalinas... Usem-nas à vontade.

Mensagens de Natal

No natal dos nossos dias, os sinos não dobram pelos mortos, mas pelos famintos.

Enquanto houver incompreensão, ódio e desamor entre os homens, papai Noel estará com frio, com sede e com fome...

Façamos de cada abraço de confraternização um elo da enorme corrente de amor que deve unir a todos.

Unamo-nos todos contra a violência, pela paz e fraternidade, de modo que, em natais futuros, possa o homem de fato se tornar o rei dos animais.
Juracy Paixão
Apesar de escrito há 35 anos, o texto a serguir continua atual...


Papai Noel está com fome


Aproximam-se as festas de fim de ano, alimentadas pela febre do comprar presente. Passadas ditas festas, restará o apurar das contas. Às lojas, magazines de luminosas vitrines, o lucro farto e fácil; aos pais abastados, a satisfação do desejo realizado nos olhos brilhantes dos filhos sadios; às famílias remediadas, um misto de prazer e de remorso na contemplação das duplicatas a pagar (resultado da ânsia de igualar-se aos ricos nas compras natalinas); aos pobres, a pobreza de sempre.

São meses de preparação e guerra psicológica; todos os veículos de comunicação martelam nos ouvidos do povo (e, particularmente, das crianças) as “melhores” ofertas do Natal, os mais incríveis brinquedos eletrônicos. “Os sinos de Belém” servem de fundo musical para as mais desengonçadas promoções comerciais. O Deus-Menino é fartamente transformado em garoto propaganda de toda uma parafernália de bagulhos que formam a nossa sociedade de consumo. Às crianças ensinam-se como “convencer” o papai a lembrar-se do presente natalino (sempre o mais caro e desinteressante); às mamães indicam-se o endereço da loja mais sofisticada, que possui o mais sofisticado dos estoques (por um preço bem sofisticado); aos pais orientam-se como obter créditos para as compras do fim de ano.

Será o presente de Natal a suprema realização de uma criança? Bastarão, para a alegria dos rostos infantis, a festa e os abraços de um só dia, contra a indiferença de todos os dias? Quantas crianças alcançam esta efêmera felicidade de um dia? Quem festeja e presenteia as dezenas de milhões de crianças cuja alegria está turvada pelo espectro da pobreza, da doença, da fome, da ignorância? Para estas, toda e qualquer campanha (com “doações” a abater do imposto de renda) não passará de simples migalha.

Onde estarão, nas Noites de Natal, os Pobres da África, os Párias de Calcutá, os Pivetes de São Paulo, os Bacuris do Nordeste, os Mutilados do Vietnã, os Desvalidos do Afeganistão, os Drogados de Nova Iorque? Uns, dormindo sob marquises frias e fétidas, outros nos reformatórios estatais e mais outros fuçando lixeiras à procura de restos. Muitos dirão, como aquele pobre de Paris: “Mamãe, traz mais daquelas sobras da feira; elas estavam tão boas ontem à noite...”.

Na verdade, todas estas dezenas de milhões de crianças estarão, no Natal como em qualquer outro dia, perambulando pelas ruas, inchadas de verminoses, cobertas de feridas purulentas, envoltas em trapos sujos. Para elas somente há uma solução: uma profunda mudança de métodos que reformule mentalidades, quebre estruturas falidas e renove a confiança no Ser Humano. Enquanto assim não ocorrer, Papai Noel estará com frio, com sede, com febre e com fome...

Juracy de Oliveira Paixão
Escrito em 1972 para o semanário “O Manacá”, de Valença/BA.
Reescrito em 2001 e publicado em “O Povo” de 23/12/2001, Fortaleza/CE.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Não temo opiniões divergentes. Assim, resolvi divulgar, aqui, artigo do jornalista Ali Kamel, com críticas ao socialismo real. Discordo da retórica contida no artigo e pergunto-me: "porque o jornalista não pinçou as mazelas do capitalismo, igualmente real e vivo?".

Leiam a seguir.

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O que ensinam às nossas crianças

Ali Kamel
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Não vou importunar o leitor com teorias sobre Gramsci, hegemonia, nada disso. Ao fim da leitura, tenho certeza de que todos vão entender o que se está fazendo com as nossas crianças e com que objetivo. O psicanalista Francisco Daudt me fez chegar às mãos o livro didático “ Nova História Crítica 8ª série” distribuído gratuitamente pelo MEC a 750 mil alunos da rede pública. O que ele leu ali é de dar medo. Apenas uma tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Impossível contar tudo o que há no livro. Por isso, cito apenas alguns trechos.
Sobre o que hoje é o capitalismo: “ Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal. Para ampliar as vendas no mercado consumidor, há um esforço em fazer produtos modernos. Grandes diferenças sociais: a burguesia recebe muito mais do que o proletariado. O capitalismo funciona tanto com liberdades como em regimes autoritários.”
Sobre o ideal marxista: “ Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores.”
Sobre Mão Tse-tung: “ Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mão é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador.”
Sobre a Revolução Cultural Chinesa: “Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas.
Velhos administradores foram substituídos por rapazes cheios de idéias novas. Em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes.(...) No início, o Presidente Mão Tse-tung foi o grande incentivador da mobilização da juventude a favor da Revolução Cultural. (...) Milhões de jovens formavam a Guarda Vermelha, militantes totalmente dedicados à luta pelas mudanças. (...) Seus militantes invadiam fábricas, prefeituras e sedes do PC para prender dirigentes “politicamente esclerosados”.(...) A Guarda Vermelha obrigou os burocratas a desfilar pelas ruas das cidades com cartazes pregados nas costas com dizeres do tipo: “ Fui um burocrata mais preocupado com o meu cargo do que com o bem-estar do povo.” As pessoas riam, jogavam objetos e até cuspiam. A Revolução Cultural entusiasmava e assustava ao mesmo tempo.”
Sobre a Revolução Cubana e o paredão: “A reforma agrária, o confisco dos bens de empresas norte-americanas e o fuzilamento de torturadores do exército de Fulgêncio Batista tiveram inegável apoio popular.”
Sobre as primeiras medidas de Fidel: “ O governo decretou que os aluguéis deveriam ser reduzidos em 50%, os livros escolares e os remédios, em 25%.” Essas medidas eram justificadas assim: “ Ninguém possui o direito de enriquecer com as necessidades vitais do povo de ter moradia, educação e saúde.”
Sobre futuro de Cuba, após as dificuldades enfrentadas segundo o livro, pela oposição implacável dos EUA e o fim da ajuda da URSS: “ Uma parte significativa da população cubana guarda a esperança de que se Fidel Castro sair do governo e o país voltar a ser capitalista, haverá muitos investimentos dos EUA.(...) Mas existe (sic) também as possibilidades de Cuba voltar a ter favelas e crianças abandonadas, como no tempo de Fulgêncio Batista. Quem pode saber?”
Sobre os motivos da derrocada da URSS: “É claro que a população soviética não estava passando fome. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (...) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas... Para nós, do Terceiro Mundo, quase um sonho não é verdade? Acontecia que o povo da segunda potência mundial não queria só melhores bens de consumo. Principalmente a intelligentsia (os profissionais com curso superior) tinham (sic) inveja da classe média dos países desenvolvidos (...) Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias. (...)
Karl Marx não pensava que o socialismo pudesse se desenvolver num único país, menos ainda numa nação atrasada e pobre como a Rússia tzarista.(...)
Fica então uma velha pergunta: e se a revolução tivesse estourado num país desenvolvido como os EUA e a Alemanha? Teria fracassado também?”
Esses são apenas alguns poucos exemplos. Há muito mais. De que forma nossas crianças poderão saber que Mão foi um assassino frio de multidões? Que a Revolução Cultural foi uma das maiores insanidades que o mundo presenciou, levando à morte de milhões?”
Que Cuba é responsável pelos seus fracassos e que o paredão levou à morte , em julgamentos sumários, não torturadores, mas milhares de oponentes do novo regime? E que a URSS não desabou por sentimentos de inveja, mas porque o socialismo real, uma ditadura que esmaga o indivíduo, provou-se não um sonho, mas apenas um pesadelo?
Nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o MEC? Se não for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo congresso, por alguém.
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ALI KAMEL é jornalista (Chefe do Jornal Nacional)

Saiu no Jornal O Globo de 18/09/2007



quarta-feira, 26 de setembro de 2007


Lembranças

Às claras, na noite da minha tristeza, veio-me à memória
o dia em que te encontrei.

À minha solidão chegastes como a aurora de um amanhecer.

Juntos fizemos alegorias à felicidade e à vida.

Tínhamos um desencontro – eras o meu coração e eu o teu fígado.
Enquanto davas lógica à minh’alma, a mim cabia-me filtrar os teus humores...

Nossas dissonâncias, deglutíamos às escâncaras.

Fomos felizes até o instante em que à monotonia rendemos culto...

Nada mais me vem à lembrança senão dor pela tua perda, fígado que fui.


Juracy de Oliveira Paixão
Texto de frases de Juracy Paixão

O santo que queima incenso para si próprio não acredita nos milagres que faz.

A falsa modéstia é a mais grave das espécies de auto-louvor. Além de encerrar pretensão absurda, possui grande dose de hipocrisia.

Tanto existe beleza na melodia clássica, quanto no grito estridente da gralha. Tudo é uma questão de estado de espírito.

Quanto amarga é a doce vida de “o nada fazer”...

Se “a palavra é prata e o silêncio é ouro”, prefiro a pobreza sem metais nobres, mas com todos os ruídos ao meu redor.

A grande vantagem de ser autista - mas não a única – é a possibilidade de somente ouvir-se o que se quer.

A maior dor que se pode sentir é a de não se ter, jamais, a chance de sentir dor.

Possuir irmãos é como multiplicar os braços: sempre haverá um disponível para colaborar.

Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.

Morrer faz parte da vida.

Ah! A língua,
Que fala, que prova, que beija.
Como é útil e benfazeja.

A hiena quando ri, não só ri dos outros, mas ri de si. Como certos humanos.

Eximir-se de seus próprios erros, atribuindo-os a outrem, é dar prova cabal do hábito de errar.

Se não existissem os inimigos, que valor teria os amigos?

O pretensioso termina por destruir sua própria avaliação, na ânsia de se fazer destacar.

O casamento mal administrado é como perfume: no início tudo é extrato; com o hábito, torna-se mera lavanda; na monotonia final, não passa de desodorante.

Não se comunique de maneira que somente você escute suas palavras... Falar para todos é vender idéias que aperfeiçoam e enriquecem o conhecimento.

Aprender a ouvir sem interferir no raciocínio de quem fala, é a melhor prova de grandeza de espírito, humildade e sabedoria.

Ser sensível não é sentir. É fazer-se sentir.

Qual a dor maior?! Da mãe que perde o filho, ou a do filho que fica sem a mãe?

A dor da perda pode ser, no inconsciente, sinônimo de egoísmo.

Não me toque. Seu tocar me causa repulsa. Prefiro o barulho da sua fala à carga negativa do seu toque.

O auto-louvor enfraquece a legitimidade da citação

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Contestação
Juracy Paixão (Escrito em novembro de 2002)

Deus criou o Céu e a Terra, com seus rios, seus mares, suas florestas, suas montanhas.

Deus criou a Bondade, a Felicidade, a Caridade, a Paz, a Esperança, a Honestidade, a Alegria, o Perdão. Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança.

Deus criou a boca que abençoa e a mão que cura, criou o casal sem filhos que adota uma criança abandonada e a “mãe preta” que amamenta o filho da patroa. Deus criou o resignado que dá a outra face ao bofetão, o pobre que divide sua pobreza com o pedinte, o rico que financia obras de caridade sem pensar na dedução do imposto de renda. Deus criou os governos que resolvem os problemas de base... Deus criou todas as coisas!

Quem criou o inferno, com suas fogueiras, ferrões e diabos? Quem criou a poluição que contamina os rios e mares? Quem criou a devastação das matas que afeta o equilíbrio ecológico? Deus criou o Homem á sua imagem e semelhança.

Quem criou a boca que amaldiçoa e a mão que fere? Quem criou os pais que abandonam os filhos? Quem criou a escravidão que escravizou a “mãe preta”? E o inimigo que esbofeteia, quem criou? A miséria do pedinte não teve criador? Quem criou os carentes de caridade? Quem criou os governos que não governam? Quem criou a maldade, a infelicidade, a degradação, a guerra, o desespero, a desonestidade, a tristeza?

Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança.

domingo, 23 de setembro de 2007

Aristeu Nogueira, sinônimo de Cidadania.

Juracy de Oliveira Paixão
(escrito por ocasião do falecimento de Aristeu)

Amigos, parentes e a Internet me informaram da viagem derradeira de Aristeu. Recebida a notícia, abriu-se-me a lembrança para fatos dos Anos 50/60, quando as lutas sociais atingiram seu ápice no Brasil, que se redemocratizara – embora os ditos “guardiões da democracia” já articulassem novo e cruento golpe.

Aristeu, naqueles anos, era membro do Comitê Central do então PCB (Partido Comunista Brasileiro) na semi-legalidade e dirigente máximo da organização no Estado da Bahia. Seu escritório, sobre uma loja de sapatos da Avenida Sete, quase sob a proteção do Relógio de São Pedro, era o centro estratégico dos movimentos revolucionários na Bahia. Dali, Aristeu definia rumo para as greves e passeatas, acalmava radicais que pensavam no poder pela via do confronto, animava os que punham pouca fé na disposição reformista de Jango, distribuía instruções aos “funcionários do Aparelho" - aqueles que viviam do e para o Partido.

Naqueles anos, nenhuma força política progressista julgava-se capaz de dispensar a participação do PCB em qualquer ação pública, fosse ela uma simples passeata de estudantes secundaristas ou o mais radical avanço das Ligas Camponesas.

Aristeu, com seu jeito maroto de sorrir sisudo, sabia reconhecer no mais humilde companheiro o mérito revolucionário. Punha, contudo, - leal e fiel homem de partido que era - a organização partidária acima de posições, importâncias e conveniências. A ele aplicava-se, sem perda de vírgulas, a afirmativa de Bertolt Brecht: “Mostre-nos o caminho a tomar que nós o seguiremos com você, mas não tome o caminho certo sem nós. Sem nós, este é o mais falso dos caminhos”.

Sobrevivente sofrido dos anos de chumbo, Aristeu agasalhou-se em seu Irará, talvez atraído pela imagem do velho sobrado dos Nogueira. Em sua cidadezinha voltou à faina do Direito, opção da juventude e porta escancarada que o conduziu ao caminho político escolhido. Faleceu como viveu: na humildade, na lealdade, na solidão – mas comunista de quatro costados.

Soube que ao seu funeral apenas compareceram familiares, alguns poucos amigos e um ou outro cidadão conterrâneo, além de colegas do Direito. A elite (falida e hipócrita) da cidade ignorou sua marcha final. Os políticos de ocasião – aqueles que ainda julgam ter o comando dos cabrestos - puseram venda nos olhos. Os primeiros, certamente, marcaram ausência pela discriminação que sempre dedicaram aos comunistas declarados; os segundos, por julgarem que “Aristeu não tem votos”.

Aristeu foi feliz neste seu último momento: desceu seus sete palmos sem a presença hipócrita da falsa elite e sem as lágrimas de crocodilo dos supostos donos do poder. Desceu seus sete palmos para, em novo aparelho, encontrar-se com Raul Cruz, com Pedro de Tiano, com Lenine e com Karl Marx, a fim de discutirem sobre uma nova tese que logo será o dilema dos que permanecem vivos: “a Revolução se dará, mesmo que, para tanto, as décadas se sucedam”. Quando chegar a hora, serão aristeus, lenines e semelhantes que estarão à frente da ação e da marcha, priorizando aquilo que a pretensa elite e os falsos políticos mais abominam: a Cidadania.






sábado, 22 de setembro de 2007

Paráfrases

Juracy Paixão (22/09/2007)

Eu sou eu mais as minhas circunstâncias” – Ortega y Gasset.

Nosso “modus-vivendi” é definido pela nossa forma de atuação na sociedade. Tal procedimento molda nossas vontades não só em função dos nossos desejos, mas e principalmente como decorrência dos que nos cercam e das variantes que os fatos vão nos abrindo a cada momento. Somos seres sociais e mutantes.



Se um homem não acerta o passo com os seus companheiros, talvez ele esteja escutando um tambor diferente”. Henry Thoreau.

Cada pessoa tem, na vida, seu período de seguir e de se fazer seguir. À medida que definimos nossa personalidade, vamos buscando nossos próprios caminhos, delineando nosso horizonte e objetivos. Pode-se viver em equilíbrio com o meio onde se está sem ser soldado de batalhão, que só marcha de acordo com o dobrado. Viver é abrir caminhos.
Pequenos textos

Juracy Paixão (22/09/2007)

A afirmação do óbvio tem como essência a capacidade de abusar até da paciência de Jó. Tal atitude nada mais é do que a absoluta inexistência de idéias próprias, capazes de alimentar a criatividade.

Tenho a impressão de que, ao contrário da “lenda da caverna”, saí da luz para a escuridão. Estou me sentindo como um louco colocado entre normais que não o hostilizam, mas não o deixam expressar sua loucura.

Há dois tipos de indivíduos: os que fazem muito, mas avaliam de pouco valor o muito que fazem (por isso mesmo, seus trabalhos são de extrema importância, pois o fazem com humildade e perfeição) e os que nada constroem, mas acham que são a razão de ser, mesma, da sociedade. Esses, cedo estarão esquecidos, já que nem rastros deixam.

A essência da educação de hoje vive tão alheia à essência da vida profissional que, de essência em essência, descobrimos que não há essência no que aprendemos, até porque nada aprendemos, se essência não há.

As vagas se sucedem sem nada acrescentarem ao mar, nem mesmo a areia que da praia retiram, devolvida que é pela vaga sucessora. As vagas nada mais são do que a ânsia do mar em se mover, mesmo que seja apenas para ir à frente e retornar.
Semelhante às vagas do mar é a vida de quem nada constrói, nem que seja um simples castelo de areia.
Desmanchando Skidmore

Juracy Paixão (12/04/06)

Na entrevista que o dito “brasilianista” Thomas Skidmore “concede” à revista Amanhã, constata-se que ele pode ter começado a estudar o Brasil há 37 anos, mas não levou muito tempo nessa pretensa tarefa. Como soe acontecer a outros “estudantes” similares, ”colou” material dos ”coleguinhas”, confundiu “bode com ovelha” e não chegou a lugar algum. Melhor, chegou ao esgoto da prepotência arrogante que tanto adjetiva os americanos ditos ”intelectuais”.

O tal “brasilianista” concentra sua atenção no combate ao Governo Lula, com base nas falcatruas e desastres ora em evidência: é “cola” pura para prova elementar. “Colou” da oposição sem nada acrescentar ao discurso. Afinal, todos nós sabemos o que se passa (e o que sempre se passou), aqui e alhures...

A corrupção que grassa na política nacional é um mero diminutivo da vera corrupção que flagela as estruturas políticas dos governos americanos desde os tempos de Roosevelt. No Governo Bush, a imprensa (sempre a imprensa...) a cada dia acrescenta um escândalo novo ao longo rol já existente.

O “brasilianista” de araque menciona os “benefícios” que o poder político brasileiro concede ao mundo empresarial, mas parece ignorar que a política americana é estruturada sobre os “benefícios” concedidos aos conglomerados locais (concessão ou fruto de exigências???).

Falar dos golpes que abalaram a nossa democracia sem mencionar que por trás de todos eles sempre esteve o Departamento de Estado é hipocrisia do mais alto grau, para não afirmar arrogância disfarçada.

A democracia brasileira tem a cara da ”democracia brasileira”. A democracia americana – com seus dois partidozinhos de merda – tem a cara da hipocrisia, da prepotência e do “vamos fazer de conta...”. Afinal, Bush (ou a Bucha?) foi empossado após obter menos votos que Al Gore e como conseqüência de fraude na apuração do colégio eleitoral da Flórida.

Se o eleitor brasileiro busca um “salvador da pátria”, o que busca o eleitor americano? Um algoz para os seus ditos inimigos ou um fantoche para apresentar o discurso do momento, redigido pelo conglomerado econômico que o apoiou? Quem sabe, as duas faces??!!

Seria ótimo para o Brasil que os verdadeiros brasilianistas fizessem a prova sem colar e com respostas subjetivas e textuais, no lugar do tradicional A, B, C, D, E.

O título da reportagem- “O povo que não sabe eleger” – aplica-se à perfeição ao povo americano.
A Rima de Tortura


Tortura tem rima?
Tortura não rima?

Que amargura !
Será essa a rima de tortura?
Ou será agrura?

Não, nada rima com tortura,
Nem com torturador.
Ou será Tortura...Dor?

Bahia de todos os quartéis,
Por Todos os Santos,
O que deixastes fazer em teus porões!!??

Quem desempenhou tais papéis??
Quem entrou, quantos,
Por teus portões!!??

Torturador que traz crucifixo
Causa mais dor;
Pensa que vinga
O sofrimento do Salvador.

O que usarei hoje?
Escolhe o torturador...
“Cunhas nas unhas?
Palmatória com tachinhas?
Choques no pau-de-arara?
Cabeça mergulhada no balde d’água?
Spray de pimenta nos olhos?
Ou será alicate?”

Comunismo rima com cristianismo;
Por quê tortura
Não rima com amargura, ou agrura!!??

Pode o torturado,
Na sua infinita dor
Perdoar seu torturador?

Se cabe o perdão,
Esse será continuado,
A cada lembrança que tenha, então,
Da tortura o torturado.

Tortura não rima,
A não ser com torturador.

Juracy Paixão
17.02.2004
Fortaleza/CE