quarta-feira, 30 de abril de 2008

Caros amigos,
Hoje quero dedicar meu espaço a um dos maiores compositores do Brasil: o paraibano Jessier Quirino. Este cara é capaz de transformar as coisas mais simples em clássicos. Dele, o que mais admiro é a composição "Vou-me embora pro passado", cuja letra encontrei em forma de texto na Internet. Remeto-a para vocês, abaixo. Comprem o CD (nada de pirataria, viu gente...)dele e vão adorar.

Vou-me embora pro passado

Jessier Quirino

Vou-me embora pro passado. Lá sou amigo do rei. Lá tem coisas "daqui, ó!":Roy Rogers, Buc Jones, Rock Lane, Dóris Day. Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado porque lá é outro astral. Lá tem carros Vemaguet, Jeep Willys, Maverick. Tem Gordine, tem Buick, tem Candango e tem Rural. Lá dançarei Twist, Hully-Gully, Iê-iê-iê. Lá é uma brasa mora! Só você vendo pra crer. Assistirei Rim Tim Tim, ou mesmo Jinnie é um Gênio. Vestirei calças de Nycron, Faroeste ou Durabem, tecidos sanforizados, Tergal, Percal e Banlon. Verei lances de anágua, combinação, califon. Escutarei Al Di Lá, Dominiqui Niqui Niqui. Me fartarei de Grapette na farra dos piqueniques. Vou-me embora pro passado.

No passado tem Jerônimo, aquele Herói do Sertão. Tem Coronel Ludugero, com Otrope em discussão. Tem passeio de Lambreta, de Vespa, de Berlineta, Marinete e Lotação. Quando toca Pata Pata, cantam a versão musical "Tá Com a Pulga na Cueca" e dançam a música sapeca “Ô Papa Hum Mau Mau”. Tem a turma prafrentex cantando “Banho de Lua”. Tem bundeira e piniqueira dando sopa pela rua. Vou-me embora pro passado.

Vou-me embora pro passado que o passado é bom demais! Lá tem meninas "quebrando" ao cruzar com um rapaz. Elas cheiram a Pó de Arroz da Cachemere Bouquet, Coty ou Royal Briar. Colocam Rouge e Laquê, English Lavanda Atkinsons ou Helena Rubinstein. Saem de saia plissada ou de vestido tubinho com jeitinho encabulado, flertando bem de fininho. E lá no cinema Rex, se vê broto a namorar de mão dada com o guri, com vestido de organdi, com gola de tafetá.

Os homens lá do passado só andam tudo tinindo: de linho Diagonal, camisas Lunfor, a tal; sapato Clark de cromo ou Passo-Doble esportivo, ou Fox do bico fino; de camisas Volta ao Mundo, caneta Shafers no bolso, ou Parker 51; só cheirando a Áqua Velva, a sabonete Gessy, ou Lifebouy, Eucalol. E junto com o espelhinho, pente Pantera ou Flamengo e uma trunfinha no quengo, cintilante como o sol.

Vou-me embora pro passado. Lá tem tudo que há de bom! Os mais velhos inda usam sapatos branco e marrom E chapéu de aba larga Ramenzone ou Cury Luxo. ouvindo “Besame Mucho”, solfejando a meio tom.

No passado é outra história! Outra civilização... Tem Alvarenga e Ranchinho, tem Jararaca e Ratinho aprontando a gozação. Tem assustado à Vermuth, ao som de Valdir Calmon. Tem Long-Play da Mocambo, mas Rosenblit é o bom. Tem Albertinho Limonta, tem também Mamãe Dolores. Marcelino Pão e Vinho. Tem Bat Masterson, tem Lessie, Túnel do Tempo, tem Zorro. Não se vê tantos horrores.

Lá no passado tem corso, Lança perfume Rodouro, Geladeira Kelvinator. Tem rádio com olho mágico, ABC a voz de ouro. Se ouve Carlos Galhardo em audições musicais. Piano ao cair da tarde. Cancioneiro de Sucesso. Tem também Repórter Esso com notícias atuais.Tem petisqueiro e bufê junto à mesa de jantar. Tem bisqüit e bibelô, tem louça de toda cor, bule de ágata, alguidar. Se brinca de cabra cega, de drama, de garrafão, Camoniboi, balinheira, de rolimã na ladeira, de rasteira e de pinhão. Lá, também tem radiola de madeira e baquelita. Lá se faz caligrafia pra modelar a escrita. Se estuda a tabuada de Teobaldo Miranda ou na Cartilha do Povo, lendo “Vovô Viu o Ovo” e a palmatória é quem manda.

Tem na revista "O Cruzeiro" a beleza feminina. Tem misse botando banca com seu maiô de elanca, o famoso Catalina. Tem cigarros Yolanda, Continental e Astória. Tem o Conga Sete Vidas, Tem brilhantina Glostora, Escovas Tek, Frisante, Relógio Eterna Matic com 24 rubis, pontual a toda hora. Se ouve página sonora na voz de Ângela Maria: "— Será que sou feia? — Não é não senhor! — Então eu sou linda? — Você é um amor!..."

Quando não querem a paquera, mulheres falam: "Passando, que é pra não enganchar!" "Achou ruim dê um jeitim!" "Pise na flor e amasse!" E AI e POFE! e quizila. Mas o homem não cochila, passa o pano com o olhar, Se ela toma Postafen, que é pra bunda aumentar, ele empina o polegar, faz sinal de "tudo X" e sai dizendo "Ô Maré!”, todo boy, mancando o pé, Insistindo em conquistar.
No passado tem remédio pra quando se precisar. Lá tem doutor de família que tem prazer de curar. Lá tem Água Rubinat, Mel Poejo e Asmapan, Bromil e Capivarol. Arnica, Phimatosan, Regulador Xavier. Tem Saúde da Mulher, tem Aguardente Alemã, tem também Capiloton, Pentid e Terebentina. Xarope de Limão Brabo, Pílulas de Vida do Dr. Ross. Tem também, aqui pra nós, uma tal Robusterina, a saúde feminina.

Vou-me embora pro passado, pra não viver sufocado, pra não morrer poluído, pra não morar enjaulado. Lá não se vê violência, nem droga nem tanto mal. Não se vê tanto barulho, nem asfalto, nem entulho. No passado é outro astral. Se eu tiver qualquer saudade, escreverei pro presente, e quando eu estiver cansado da jornada, do batente, terei uma cama Patente, daquelas do selo azul, num quarto calmo e seguro, onde ali descansarei. Lá sou amigo do rei. Lá, tem muito mais futuro. Vou-me embora pro passado

domingo, 20 de abril de 2008

Caroa amigos,





Incluo mais um artigo de (des)Artes & Textos





Tortura


Farpas e pontas sempre lembram dor. Dor lembrada é dor sentida.

Para quem escapa da morte como conseqüência da tortura, o sofrimento vitalício fica por conta da memória. Todas as agressões sofridas, todos os momentos de tensão – e de espera – tornam-se na lembrança a repetição psíquica do sofrimento físico passado.

A tortura tem a capacidade de perpetuar no torturado a pena que lhe foi imposta. Ao torturador basta o esquecimento dos atos praticados para que a ocorrência deixe de existir.

Mais hediondo do que furar, cortar, bater, pisar, é registrar na memória do ofendido cada agressão, de tal modo que ele se torna vítima e algoz de si mesmo.

O torturado que cala – não denuncia - sofre por si e pelo outro, já que o torturador, incapacitado de identificar pela denúncia forçada, nova vítima, põe na disponível a carga de sofrimento que reservou para a desconhecida, não denunciada.

Por que cala o torturado!!?? Porque há uma dor maior do que a física: a dor do desprezo, da fraqueza reconhecida.

Pode o torturado perdoar o torturador? Haverá de ser, se tal é possível, um perdão sempre repetido, a cada lembrança do sofrimento passado.

Pelo ato de torturar, o torturador – pretenso ser humano - mostra que está longe de alcançar o reino animal.

Juracy de Oliveira Paixão (Maio de 2003).