sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Meu Porém tem suas razões

Um expositor ou conferencista por mais capacitado que seja, se for possuidor de bom equilíbrio empático, ao expor suas mais profundas opiniões e ideias sobre o mais complexo dos temas – mesmo que estas estejam embasadas em comprovações matemáticas e científicas -, há de ter o bom senso e humildade de, olhando a plateia e vendo rostos surpresos e/ou com ar de dúvida, afirmar, concluindo sua exposição: “...porém, não restam dúvidas de que sempre haverá novas questões a serem abordadas, lembrando-nos que o conhecimento humano é fruto e raiz da sua própria ignorância.” Assim procedendo, dará aos que demonstram ares de incerteza e questionamento a oportunidade de aprofundarem seus conhecimentos em busca da verdade absoluta, a qual, aliás, jamais será alcançada.

Tudo isto dito, o que realmente me interessa é explicar o porquê da importância do meu PORÉM.

Meu PORÉM é razão e causa de meu interesse por Literatura, Música, Artes.

Meu PORÉM é o motivo para minha ânsia em mais saber, já que, como dito, “eu somente sei que nada sei”.

Meu PORÉM é o incentivo que disponho para enfrentar as agruras da vida humana.

Meu PORÉM é a lógica que utilizo para justificar minha crescente fé  na vitória final do meu ideal socialista-comunista.

Meu PORÉM é crença, alegria, estímulo e método para eu me auto suportar.

                                             Juracy Paixão – 04/09/2014


Nota: A partir de hoje, amo mais que nunca meu PORÉM, pois constatei que ele é o inverso de MEROP, sigla perolada de MARIA ELIZABETHE ROCHA DE OLIVEIRA PAIXÃO.

sábado, 28 de junho de 2014

Queridas amigas e queridos amigos,

Divulgo imagens da família de minha enteada querida, Andréa, durante jogo em Recife (EUA x Alemanha). Na primeira foto, Brian e Aidan (esposo e filho) curtindo poça d'água no entorno da Arena Pernambuco. A segunda foto refere-se a publicação do Diário de Pernambuco. A terceira foto é da família, mais o meu "neto" Yuri, sobrinho de Andréa e filho de Cléa Paula.



terça-feira, 10 de junho de 2014

Minha Cidade

                             Jandira Oliveira Paixão

Minha cidade tem baiana,
Acarajé, abará.
Tem muita mulher bonita
Pouco homem prá casar.
Tem um pôr-do-sol belíssimo
Prá do Elevador admirar.
No Terreiro de Jesus,
Palmeiras vemos por lá.
Só não ouvimos o canto
De sanhaço ou sabiá.
Crianças abandonadas,
Alcoólatras a vaguear,
Uso de crack nos becos
Nesta terra também há!
Moro e gosto da cidade
Mas nasci em Irará.
Quando ficar bem velhinha
É prá lá que vou voltar,
Curtir uma vida mais mansa,
Com os amigos de lá.
Comer mangaba, caju,
Em vez de goiaba, araçá.
E mesmo que sinta saudades,
É por lá que vou ficar,
Até a morte chegar!


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Deixando a falsa modéstia de lado, publico carta que recebi da minha irmã Jandira. Ela a divulgou em seu grupo de estudos.

"Querido irmão,

            Agora, quando o início da ditadura militar, em nosso país, completa 50 anos, recordo-me de fatos da época.

            A nossa pequena cidade fervilhava. Eram tantos os esquerdistas, os comunistas, que o exército se fez presente. Autoridades demitidas, outros fogem para o campo, pessoas detidas para interrogatórios.  Lembras do escudo do nosso colégio? As armas de São Judas Tadeu: foice e machado. A professora Lourdes teve que dar explicações. Papai que era suplente de delegado ocupa o cargo, para desespero de mamãe, que já vivia preocupada contigo. Tu partes, deixando tua família, três filhos, mais um para chegar. E chega lindo, recebendo um nome russo: Wladimir. Não lembro quanto tempo demoraste fora do país, mas imagino que a saudade devia ser grande e dificuldades certamente existiram. Porém guerreiro como sempre fostes, soubeste aproveitar este tempo para crescer e estudar. Até chegaste a poliglota!

            Cinqüenta anos depois, a tua, a nossa realidade modificou-se. Já criamos filhos, exercemos atividades profissionais. Tu escreveste um livro e, hoje, somos do time dos aposentados. Mas, certamente, ainda atuantes na vida.

            Que continues a sonhar, a protestar, a escrever, a ser quem tu és: um forte!

Abraços de tua mana Jandira

Salvador, maio, 2014".

            

sexta-feira, 28 de março de 2014

A Bahia, O Golpe de 64 e a Ditadura
Pedro Soares - Jornalista

A Bahia suportou de maneira dolorosa as conseqüências do golpe militar de abril de 1964, semelhante ao que ocorreu na maioria dos demais estados brasileiros. Este início de ditadura foi conseqüência de uma realidade formada pelas diferenças e distúrbios comuns a uma sociedade com base fundamentalmente tradicional em uma fase importante de seu esforço em modernizar-se. A ocorrência do fenômeno no plano nacional e sua repercussão no estado da Bahia indicaram uma solução aos conflitos surgidos no interior de uma configuração social confrontada com diversas opções, como um desenvolvimento econômico autônomo, socialmente justo e politicamente democrático ou um desenvolvimento dependente, socialmente desvinculado e politicamente autoritário. Estes conflitos atravessavam a realidade política e social baiana às vésperas do Golpe de 31 de março e faziam parte da realidade política do então governador Lomanto Júnior.
Antônio Lomanto Júnior elegeu-se governador da Bahia em 1962, pela coalizão do PTB com a UDN, derrotando o candidato do PSD, Waldir Pires. Substituiu o então governador Juracy Montenegro Magalhães, representante austero do conservadorismo da política baiana de então e um dos líderes nacionais da UDN, partido que fazia declarada oposição ao presidente João Goulart. O conflito político tinha em Lomanto seu início, já que ele fora apoiado pelo PTB, partido de João Goulart. Já o derrotado PSD apresentava uma plataforma moderada, sugerindo apoio às medidas ditas progressistas do presidente. Assim, percebia-se que o confrontamento destas duas correntes partidárias sugeria a possibilidade de problemas no relacionamento com o governo federal por parte do novo governador da Bahia.
A certeza é que o mais poderoso partido político baiano de então se encontrava, na verdade, dividido em três linhas principais: uma linha liberal, apoiada socialmente no pequeno e médio empresariado baiano e nas camadas intermediária da população personificada nas figuras do próprio Lomanto Júnior e dos seguidores do falecido ex-governador Otávio Mangabeira; a linha conservadora, liderada por Luiz Viana Filho e seus apoiadores, tradicionalmente anti-reformas e anti-Goulart, com o reforço do grupo político de Juracy Magalhães. Fortalecia o conservadorismo o iniciante grupo de Antônio Carlos Magalhães, então presidente do diretório estadual da UDN. Todos eles reuniam os valores comuns do anticomunismo e do antigetulismo.
Em 31 de março de 1964, a sociedade baiana foi surpreendida pelo golpe civil-militar. Esta surpresa ficou marcada no apego de setores expressivos da grande imprensa baiana à legalidade institucional, expresso no posicionamento assumido pelo jornal A TARDE. Afora isso, Jango não teve, na Bahia, quem o defendesse, apesar das tentativas dos universitários, liderados por Sérgio Gaudenzi, que se deslocaram para Feira de Santana, na esperança de organizar juntamente com o prefeito daquela cidade, Francisco Pinto, um esquema de resistência. O prefeito de Feira, no entanto, pouco podia fazer, visto que já se encontrava na mira das forças leais ao Golpe.
O prefeito de Vitória da Conquista, José Fernandes Pedral Sampaio, um dos aliados do projeto de Goulart, também seria imediatamente aprisionado pelos autores do golpe.
O governador Lomanto Júnior marcou uma reunião com sindicalistas na sede do Jornal da Bahia, imaginando que iria conseguir organizar um movimento a favor do mandato do presidente Goulart, mas acabou conformando-se à nova situação. Como castigo por esta decisão, foi afastado, pelo comando militar, do controle sobre a Polícia Militar baiana e recebeu a visita, no Palácio da Aclamação, do general de Brigada Manoel Mendes Pereira, que certamente o colocou diante de duas alternativas: o apoio ao golpe ou sua destituição. No dia 2 de abril de 1964, comunicou ao povo baiano, pela televisão, seu apoio ao que agora chamou de “Revolução”. Já o prefeito de Salvador, Virgildásio Sena, filiado à UDN, manifestou-se em favor das reformas de base. Foi destituído do cargo e tornou-se prisioneiro na sede da 6a Região Militar, vindo a ter seus direitos políticos cassados.
Instalou-se, com o apoio do SINDIPETRO, uma greve geral na Bahia, da qual apenas participaram sete sindicatos. O fracasso da greve e de qualquer movimento de resistência ao Golpe no estado da Bahia estava óbvio.
As massas não eram covardes nem traidoras. Eram incapazes de enfrentar o número crescente de adversários de Jango, instigados por diversas organizações, inclusive a Igreja Católica. Já em 1963, a procissão de Corpus Christi teve como palavra de ordem a necessidade de enfrentar o ”comunismo ateu e seus aliados janguistas”. Também em 1963 a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) distribuiu panfletos nas residências soteropolitanas conclamando as famílias a enfrentarem “o inimigo comunista que é a negação da liberdade, da justiça e da paz”.
Uma semana após o golpe, o cardeal dom Álvaro Augusto da Silva oficiava um Te Deum e liderava uma “Marcha da Família com Deus pela Democracia”, do terreiro de Jesus até o Campo Grande, como agradecimento a Deus e aos comandantes militares pela salvação do país da “ameaça comunista”.
Começaram as agressões aos políticos favoráveis às Reformas de Base. Atendendo à solicitação encaminhada pelo comando da VI Região Militar à Mesa Diretora da Assembléia Legislativa baiana, esta, em sessão de 28 de abril de 1964, declarou extintos os mandatos de seis deputados estaduais e um suplente, democraticamente eleitos, entre os quais Sebastião Nery, mais tarde conhecido comentarista político, e o dirigente comunista Aristeu Nogueira.
Nesse status, chegara a hora do enfrentamento entre os grupos conservadores e as tendências progressistas, entre as correntes da renovação e as forças do atraso, entre os homens do capital e o mundo do trabalho. O golpe que visava erradicar o movimento em prol da democratização da sociedade brasileira foi dirigido, fundamentalmente, contra a classe operária. Fora durante os anos 1960-1964 que os petroleiros da Refinaria Landulfo Alves de Mataripe (RLAM) haviam conseguido alcançar melhorias das condições de trabalho, elevação de salários e participação nos processos de gestão da empresa. Tendo se celebrizado então pela capacidade de organização e mobilização de seus funcionários e atividade eficaz de seu sindicato (o SINDIPETRO), a refinaria atrairia a atenção raivosa dos protagonistas da ruptura institucional, bem como de seus cúmplices de última hora.
Após a vitória do golpe civil-militar, uma verdadeira guerra foi desfechada contra os dirigentes sindicais, bem como contra lideranças operárias ou mesmo trabalhadores, todos acusados de serem “agitadores comunistas”. Vários dirigentes sindicais foram destituídos, presos e tiveram seus direitos políticos cassados. Outros membros das entidades sindicais foram espancados. Os militares responsáveis pelas “ações” chamavam aquilo de “Noite de São Bartolomeu”.
O Conselho Universitário da Universidade Federal da Bahia (então Universidade da Bahia), em sua primeira sessão após o golpe militar, realizada em 09/04/1964, aprovava uma moção marcantemente lapidar e emblemática - Satisfeito com o sucesso da conjuração contra as instituições democráticas, o então reitor da Universidade, prof. Albérico Fraga fez questão de registrar, na ata da reunião do Conselho Universitário do dia nove de abril de 64, o tamanho da sua satisfação pessoal, bem como sua disposição em contribuir para o êxito do espírito do golpe no seio da universidade. Assim, ao anunciar as demissões de dois professores estigmatizados como subversivos, afirmava orgulhosamente: “Pratiquei, e o fiz com a abundância do coração, o primeiro ato arbitrário como Reitor da universidade, que foi a demissão pura e simples do famoso comunista Isidório Batista de Oliveira...”. Achando pouco o dito, o Magnífico Reitor foi ainda mais longe em sua impostação autoritária, acrescentando ao escárnio para com a democracia universitária todo o peso de seus juízos racistas: “O professor Nelson Pires, comunista, agitador contumaz, serviu-se desse negro analfabeto, que não sabe assinar o nome direito (...). Esse preto está preso. Fiz sua demissão pura e simples. (...) Faço questão que fique registrado em Ata que pratiquei de coração alegre porque se trata de um negro moleque ousado e que merece ser castigado.”
Ainda no dia 1o de abril de 1964, uma assembléia estudantil na Faculdade de Medicina da UFBA, no terreiro de Jesus (a mais antiga do Brasil), foi dissolvida pela polícia, a sala do DA (Diretório Acadêmico) invadida e sua biblioteca foi saqueada e parcialmente incinerada pelos invasores. O mesmo ocorreu na Faculdade de Odontologia, onde se esboçava um movimento de resistência ao golpe por parte de alguns estudantes. A mão pesada dos agentes da nova ordem política arrastou dali para a prisão 45 estudantes e 2 funcionários.
Apesar de fortemente golpeada e paralisada em um primeiro momento, a consciência democrática baiana jamais permitiu que se extinguisse no estado a chama da resistência. Tal pode ser conferido pelo número de parlamentares, personalidades do mundo da política e da cultura e ativistas sociais cassados, encarcerados e processados ao longo dos primeiros meses após o golpe. Além dos já mencionados, incluem-se os nomes de Francisco Mangabeira, Waldir Pires (Consultor Geral da República no final do Governo de Jango), Hélio Ramos, Fernando Santana, Mário Lima (dirigente petroleiro e parlamentar), Cícero Dantas, Mario Piva e muitos outros. Sobretudo, é importante destacar a persistente atuação oposicionista do parlamentar baiano Josaphat Marinho, sempre ao lado do ex-governador Antonio Balbino, ambos eleitos pela legenda do MDB.
Na sociedade civil, a mobilização das forças democráticas aumentou bastante no período 1966/1968 através da ação dos estudantes secundaristas e universitários, que ocuparam as ruas da cidade de Salvador em concorridas manifestações contra a proibição imposta às entidades estudantis. Tais movimentos de massas legaram exemplos e experiências que seriam retomados futuramente, quando tiveram início novas lutas anti-ditatoriais, especialmente no final dos anos 70 e início da década de 1980.
Um dos principais focos da resistência em Salvador contra o novo regime, foi o Colégio Estadual da Bahia, conhecido como Colégio Central. Alunos ligados à base secundarista do Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderados por Carlos Sarno, desejosos de expressar sua insatisfação com a atmosfera político-cultural imperante através da encenação de peças teatrais, enfrentaram forte pressão das autoridades do colégio, que chegaram a proibir as apresentações. Tal proibição, por seu caráter arbitrário e despropositado, ateou fogo à inquietação dos alunos que, em face da desventura da falta das mais elementares liberdades, lançaram-se na aventura da rebelião. Logo, alunos de outros colégios da capital baiana, submetidos então a semelhantes situações discricionárias, se identificaram com as demandas dos estudantes do Central e assumiram para si as mesmas bandeiras de luta.
Os estudantes universitários da UFBA se aliaram às manifestações, atormentados pela sanha repressiva, pela aplicação das normas autocráticas do novo regime na universidade, como a Lei Suplicy Lacerda — que extinguiu a UNE e as entidades gerais dos estudantes e obrigou os Diretórios Acadêmicos no espírito da despolitização — e o Decreto 477 que punia com o afastamento da vida acadêmica os estudantes envolvidos em atividades “subversivas”. Com a ampliação do movimento de protesto, ampliou-se também a interdição, estendida a todo o município de Salvador. Como conseqüência, a capital baiana foi abalada por fortes manifestações secundaristas durante vários meses de 1966, as quais, por sua vez, reprimidas a cassetete e patas de cavalos pelas autoridades, transformaram as ruas de Salvador em um campo de batalha no qual polícia e estudantes se enfrentavam em combates desproporcionais.
A ocorrência, pela sua própria natureza, motivou a manifestação de importantes personalidades do mundo da cultura em oposição à escalada obscurantista e repressiva que naquele momento se configurava. Dezenas de intelectuais baianos, entre eles Jorge Amado, Walter da Silveira, Sante Scaldaferri, João Ubaldo Ribeiro, assinaram um manifesto em que defendiam a liberdade de expressão e manifestavam solidariedade aos secundaristas soteropolitanos.
No entanto, apesar das manifestações de solidariedade, a força prevalecia sobre a razão. Golpeado pela violência repressiva, o movimento refluía. Mas, tratava-se apenas da primeira batalha. Nas duas décadas seguintes, a oposição política e os movimentos populares reocupariam as ruas, impor-se-iam pelo número à truculência dos esbirros e sentenciariam, através do isolamento e da privação da legitimidade, a derrocada do regime ditatorial.
Os protestos de massa dos estudantes baianos transformaram-se numa escola que educou uma geração de dedicados participantes da luta contra o autoritarismo militar. Um núcleo de estudantes secundaristas, formado por Carlos Sarno, Jurema Valença, Marie Helene Russi, Chantal Russi e Nemésio Garcia, entre outros, se desligaram do PCB e formaram a Dissidência Comunista da Bahia (DI/BA), a qual, mais tarde, se integraria, à organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), um dos grupos mais ativos no movimento de luta armada contra o regime militar entre os anos 1968-1974.
Outro segmento das lideranças estudantis também se destacaria nos anos seguintes por seu comprometimento com formas mais radicais de oposição à ditadura militar. Liderado por Júlio e Juca Ferreira, Sérgio Landulfo Furtado, Renato da Silveira e José Carlos de Souza, este grupo, que também participou da formação da DI/BA, uniu-se ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8).
O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), outro agrupamento político militar de intensa atuação naqueles anos, também se instalou na Bahia devido à iniciativa de estudantes baianos formados nos enfrentamentos de rua de 1966. O PCBR estruturou-se em Salvador através de Renato e Marcos Affonso de Carvalho, Natur de Assis Filho e Roberto Albergaria. O PCBR foi fortalecido pelo retorno de Dirceu Régis (secundarista baiano que se destacara à frente dos estudantes do calabouço no Rio de Janeiro) e a chegada do potiguar Theodomiro Romeiro dos Santos e do recifense Paulo Pontes da Silva. Com a prisão dos membros da sua direção nacional no Rio de Janeiro em 1970 — o que acarretou inclusive a morte, por tortura, do jornalista e dirigente comunista baiano Mario Alves, natural de Sento Sé —, deu-se a transferência de seu corpo dirigente para a cidade de Salvador. Como decorrência deste fato, dois eventos de dramática relevância se verificaram na cidade: o único assalto a banco realizado por uma organização de esquerda na Bahia nos anos do regime militar, em maio de 1970, e a morte do sargento da aeronáutica Wander Xavier de Lima em confronto com os militantes Paulo Pontes, Theodomiro dos Santos e Getúlio Cabral. Este confronto resultou na condenação do jovem Theodomiro à pena de morte, fato sem precedentes na história do Brasil republicano.
A brutal repressão contra os opositores do golpe atingiu em cheio os ativistas clandestinos do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Na Bahia, esta organização possuía uma boa estrutura e um quadro de membros notáveis, a exemplo de Fernando Santana, Aristeu Nogueira, Aurélio Vellame, Américo Carvalho, Juracy Paixão, Tertuliano Teixeira e outros mais, espalhados por dezenas de cidades do Estado. Alguns logo se viram obrigados ao refúgio no exterior; outros, logo presos, foram barbaramente torturados. Uns poucos conseguiram manter-se na clandestinidade. Dois casos chamam a atenção: Aristeu Nogueira, que era o secretário do partido na Bahia e figura por demais conhecida, sumiu de circulação e terminou sendo preso dois anos mais tarde no Rio de Janeiro, onde se refugiara. Barbaramente martirizado, após a anistia retornou a sua cidade natal, Irará, onde passou a advogar. O outro caso, pouco comentado, mas tão macabro quanto o de muitas outras vítimas, deu-se com Juracy Paixão. Refugiado na URSS retornou para ser preso e torturado. Foi salvo por intervenção da maçonaria, a rogo do seu pai (que era maçom). Solto, desligou-se do partido por discordar da linha que pretendia envolver-se na luta armada e afastou-se da atividade política.
Esses fatos aqui relatados têm a finalidade de qualificar a afirmação de que na Bahia, como ao longo de todo o território nacional, o golpe civil-militar de março/abril de 1964 funcionou como um divisor de águas. Assim como atraiu para si o apoio dos segmentos mais conservadores e antidemocráticos da sociedade civil, terminou também por mobilizar contra si as ações e as vontades dos setores democráticos, progressistas e reformadores da sociedade brasileira e baiana. Convém notar que, também na Bahia, as forças avançadas da cidadania não se omitiram em face da ordem ditatorial. Por meios pacíficos ou violentos, de forma moderada ou radical, na atividade político parlamentar ou na militância social, um conjunto cada vez mais amplo de personagens e atores sociais ocuparia seus lugares nas frentes de resistência ao arbítrio e à repressão, inserindo a Bahia no mapa da resistência anti-ditatorial.
Por fim, e em conclusão, deve-se destacar que o golpe de 64 levou a substanciais transformações na dinâmica do poder neste estado. A vitória da Ditadura representou, no plano local, a derrota do “populismo moderado” de Lomanto Júnior e o colapso da política pendular da ala liberal da UDN. Com a formação do Governo Castelo Branco, parte para o primeiro plano da política baiana a facção conservadora de Luiz Viana Filho. Mas, com a decretação do AI-5 e a posterior formação do governo de Garrastazu Medici, criaram-se as condições para a ascensão ao poder de forças mais afinadas com as novas diretrizes federais. Diretrizes que pressupunham a superação completa de todo o legado da república liberal e os complexos e demorados processos de constituição de maiorias políticas para a tomada de decisões. Significava “evoluir” para um sistema de administração pública verticalizado, ágil, centralizado e capaz de atender às demandas de um novo ciclo de desenvolvimento econômico acelerado, concentrador e excludente. Nestas novas condições, o tecnocrata deveria ocupar o lugar do político no plano das decisões administrativas. O alinhamento automático deveria substituir qualquer vestígio de oposição. Havia chegado afinal, a oportunidade de projeção dos atores da modernização conservadora em terras baianas. A partir do ano de 1970, eles demonstrariam sua capacidade de não desperdiçar oportunidades.