quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

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Encruzilhada

O menino foi dormir cedo. Programou, para o dia seguinte, caminhar até a fazenda de seus avós, a ver as cajazeiras, cajueiros, criações..., tias e tios. O caminho, velho conhecido, era estreito, com fofa areia e mato fechado nas laterais: duas léguas de firme caminhada, nelas incluídas as duas ladeiras e o velho rio.

Do batido caminho da roça, o que o menino mais apreciava era cruzar o rio que, de tão pouca água, chamava-se Seco. Havia chovido por duas semanas inteiras. “Tomara que dê vau”, pensou o menino. Não sabia nadar e não achava nenhuma graça em utilizar-se daquela tosca ponte de tora de jequitibá: “não sou equilibrista de circo pra andar nesse trapézio...”.

Assobiando, o menino não viu o tempo passar. Na altura da primeira légua, deu de brusco com a temida – embora tantas vezes cortada – encruzilhada. O senho fechou-se, a lembrar do que aprendera com seus antigos: “o caipora entoca-se nas encruzilhadas para cobrar pedágio dos incautos passantes. Um naco de fumo de corda é o preço para não ser transformado em lobisomem”; “onde os caminhos se cruzam, armam-se os despachos contra alma penada. Pisar em um deles é aleijão na certa”; “ao chegar a uma encruzilhada, não se deve sair da rota. Do contrário, fica-se rodopiando à toa”.

Tudo lhe veio à mente em um segundo. Suava a cântaros. Estacou. Além do medo, havia a interrogação: “onde irão dar essas trilhas laterais!?” Sentou-se num galho seco a pensar. O suor lavou o medo e fermentou a curiosidade. Tudo à flor da pele. Procurou pelo caipora, vasculhou o chão de areia para se livrar dos despachos e não viu nada além de mato.

Aventurou-se. Enveredando pela trilha da direita, andados um bom quarto de légua, deu de cara com uma cerca farpada, com passadiço. Adiante avistou um sítio com terreiro de galinhas e um chiqueiro. A vereda terminava ali, sem saída avante.


Retornou. Enfiou-se pela esquerda a passos largos, voltando os olhos. Batida uma boa meia hora, encontra-se no topo de uma ribanceira. A vereda seguia para baixo, aos ziguezagues. Quase agachado, o menino desceu a rampa e, numa curva do íngreme caminho, avistou lá embaixo o velho e querido rio de águas turvas. Sorriu e falou para si mesmo: “ganhei bem uma meia légua...”. Estava a um pulo do seu destino.

A partir daquele dia de descobertas, a encruzilhada e seus fantasmas deixaram de existir para o menino.

Fazemos nossa trajetória de vida esbarrando em seguidas encruzilhadas. Podemos, por temor dos riscos, buscar o caminho mais fácil, aquele já por muitos percorridos. Nada de novo haveremos de acrescentar. Enfrentar o desconhecido é viver a emoção de perder com esforço ou ganhar com louvor e sabedoria.

Afinal, o Conhecimento é fruto sadio tanto dos acertos como dos erros.

Juracy de Oliveira Paixão ( Abril de 2004).

Um comentário:

Roberto Martins disse...

Belo Texto ! Parabens Juracy !!
Se não fossem esses blogs...
rsrsrs
abraço !