Aristeu Nogueira, sinônimo de Cidadania
Juracy de Oliveira Paixão
Amigos,
parentes e a Internet me informaram
da viagem derradeira de Aristeu. Recebida a notícia, abriu-se-me a lembrança
para fatos dos Anos 50/60, quando as
lutas sociais atingiram seu ápice no Brasil, que se redemocratizara – embora os
ditos “guardiões da democracia” já
articulassem novo e cruento golpe.
Aristeu,
naqueles anos, era membro do Comitê
Central do então PCB (Partido Comunista Brasileiro) na
semi-legalidade e dirigente máximo da organização no Estado da Bahia. Seu
escritório, sobre uma loja de sapatos da Avenida
Sete, quase sob a proteção do Relógio
de São Pedro, era o centro estratégico dos movimentos revolucionários na
Bahia. Dali, Aristeu definia rumo para as greves e passeatas, acalmava radicais
que pensavam no poder pela via do
confronto, animava os que punham pouca fé na disposição reformista de Jango, distribuía instruções aos “funcionários” do aparelho - aqueles que viviam do e para o Partido.
Naqueles
anos, nenhuma força política progressista julgava-se capaz de dispensar a
participação do PCB em qualquer ação
pública, fosse ela uma simples passeata de estudantes secundaristas ou o mais
radical avanço das Ligas Camponesas.
Aristeu,
com seu jeito maroto de sorrir sisudo, sabia reconhecer no mais humilde
companheiro o mérito revolucionário. Punha, contudo, - leal e fiel homem de
partido que era - a organização partidária acima de posições, importâncias e
conveniências. A ele aplicava-se, sem perda de vírgulas, a afirmativa de Bertold Brecht: “Mostre-nos o caminho a
tomar que nós o seguiremos com você, mas não tome o caminho certo sem nós. Sem
nós, este é o mais falso dos caminhos”.
Sobrevivente
sofrido dos anos de chumbo, Aristeu agasalhou-se
em seu Irará, talvez atraído pela imagem do velho sobrado dos Nogueira. Em sua cidadezinha voltou à faina do Direito, opção da juventude e porta
escancarada que o conduziu ao caminho político escolhido. Faleceu como viveu: na humildade, na lealdade, na solidão
– mas comunista de quatro costados.
Soube
que ao seu funeral apenas compareceram familiares, alguns poucos amigos e um ou
outro cidadão conterrâneo, além de colegas do Direito. A elite (falida e hipócrita) da cidade ignorou sua marcha final. Os políticos de ocasião – aqueles que ainda
julgam ter o comando dos cabrestos -
puseram venda nos olhos. Os
primeiros, certamente, marcaram ausência pela discriminação que sempre
dedicaram aos comunistas declarados;
os segundos, por julgarem que “Aristeu
não tem votos”.
Aristeu
foi feliz neste seu último momento:
desceu seus sete palmos sem a
presença hipócrita da falsa elite e sem as lágrimas
de crocodilo dos supostos donos do poder. Desceu seus sete palmos para, em novo aparelho,
encontrar-se com Raul Cruz, com Pedro de Tiano, com Lenine e com Karl Marx, a
fim de discutirem sobre uma nova tese que logo será o dilema dos que permanecem
vivos: “a Revolução se dará, mesmo que, para tanto, as décadas se sucedam”.
Quando chegar a hora, serão aristeus,
lenines e semelhantes que estarão à frente da ação e da marcha, priorizando
aquilo que a pretensa elite e os falsos políticos mais abominam: a Cidadania.
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