O Templo e os Mercadores
O Templo era, em Jerusalém,
o lugar mais concorrido. Para lá iam os vendedores ambulantes, os encantadores
de serpentes, os contorcionistas e prestidigitadores, os pedintes, os
abandonados pela sorte, os ditos crentes, os descrentes, os sacerdotes e seus
asseclas. Nas escadarias laterais pululavam mulheres
da vida. O sumo sacerdote tudo permitia, já que de todos recebia
compensações.
Neófito em Jerusalém, o Filho de Deus resolveu visitar o Templo.
Assediado pelas marias madalenas,
subiu, célere, as escadarias e adentrou ao grande pátio. Assustou-se com a
multidão ali presente, serpentes silvando, pedintes rogando pragas por suas
misérias, ditos crentes fingindo orar, descrentes assíduos na jogatina,
mercadores anunciando suas bugigangas. Ofegante e furibundo, o Filho de Deus arrancou o chicote das
mãos de um ambulante que conduzia um jumento e, rodopiando o instrumento ,
esbravejou tonitruante: “Fora, todos
vocês, da Casa do Meu Pai !!”. Os mercadores, e encantadores, e pedintes, e
crentes, e descrentes, todos assustados, saíram aos gritos, em debandada.
Encarando os sacerdotes que, togados, se deleitavam com vinho, uvas e encostos
de cetim, o Filho de Deus os
desafiou: “ Fariseus, como permitis tal
orgia na Casa do Meu Pai!?”. O sumo sacerdote, sarcástico, inquiriu: “Quem sóis ? como ousas expulsar nossos
amigos ??”
O Anfiteatro do Parque do Cocó, durante
uma semana do mês de julho de todos os anos, em tudo se assemelha ao Templo de
Jerusalém, quando ali se realiza o Halleluya.
Os mercadores de hoje vendem indulgências, os encantadores de serpentes
travestem-se de purificadores de almas, os ditos crentes bradam frases sem
nexo, os descrentes lavam a güela com
cerveja e a cuca com maconha, os
pedintes de araque rogam as pragas de sempre e as marias madalenas, na flor dos seus 12 anos, desfilam entre os
transeuntes, debochadas e disponíveis. O sumo
sacerdote de plantão promete mundos e
fundos para os que renunciarem aos prazeres terrestres e indica os pontos
para coleta das contribuições, fundamentais à obtenção dos tais mundos e fundos. O aluguel de vagas no
céu tem tabela e exige fiador.
Os archotes modernos, potentes luzes
coloridas, aliados seguros do som estridente e dos gritos histéricos, tiram o
sossego da vizinhança que, desprovida de chicotes, nada pode fazer.
A titulo de garantir a livre circulação
dos moradores, em boa hora o Fortal
foi retirado da Avenida Beira Mar. Falta retirá-lo, agora, das proximidades do
Centro Dragão do Mar, patrimônio do povo. Quando os moradores do entorno do
Parque do Cocó terão sossego, no mês de julho??
Já é mais que tempo desse
Brasil que se diz laico fazer como fez a França e restringir aos ambientes
fechados manifestações e atos religiosos que, a título de agirem em nome da Fé,
nada mais fazem do que agredir os direitos do cidadão. A fé é ato e decisão
particular e, como tal, deve ser manifestada em ambientes próprios, sem ferir
os que dela discordam. Agir de forma diferente nada mais será do que ampliar os
limites da hipocrisia, da imposição, do desrespeito ao livre pensamento.
O Anfiteatro do Parque do Cocó, anualmente
invadido pelos mercadores da fé,
pertence ao povo e não pode ser transformado em pátio de falsos milagres, em
palco de crenças hipócritas, em poço de mistificação. Área pública não é
passarela, não é mercado, não é templo. Deve ser, pura e simplesmente, cenário
de cidadania.
Algo há que ser feito,
antes que algum filho de um deus qualquer, sentindo-se agredido e privado de
seus direitos, encontre um chicote e
resolva, por conta própria, expulsar os invasores.
Juracy
de Oliveira Paixão
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