Irará, Moscou & Saudosismo
Situada na linha divisória entre o Recôncavo e a Caatinga, a cidade
baiana de Irará é um primor de exclusividades.
Nos anos 50 e 60 foi considerada a Moscouzinha da Bahia, devido ao elevado
número de comunistas iraraenses em relação à pequena população local. E eram
comunistas famosos, como Aristeu Nogueira, Raul Cruz, Fernando Santana,
Tertuliano Teixeira, dentre tantos outros que agitavam a cena revolucionária da
Bahia de então, dispostos a darem suas vidas para mudar o mundo.
Berço de um considerável número de
artistas dos mais variados matizes, tem, da nova geração, nomes como Zé
Nogueira, João Cerqueira, as ceramistas Nem,
Dôli, Dinha, Bel – apenas para
citar algumas -, e dezenas de outros que pintam, compõem, cantam, gravam,
imprimem, fazem... Até o Dida,
goleiro da seleção, em Irará pôs os pés no mundo.
Da velha guarda, nomes como Tom Zé,
Mestre Maçu, Almiro de Oliveira, Mestre Panta, Maestro Aniceto Cruz, Maestro
Xaxá, Ovídio Santa Fé, Fred Dantas, apenas dão início a uma longa lista.
Terra de Nossa Senhora da Purificação, reza por todos os credos com
devoção e fervor, festejando-os com a alegria própria do bom baiano.
Ser iraraense é uma benção dos céus.
Naquele recanto, respira-se um ar especial, embora quente, à sombra das poucas
árvores que a Prefeitura deixa de pé.
Como bem disse um patrício da nova
guarda, Roberto Martins, todo iraraense é
de um pai e de uma mãe: Fulano,
filho de Beltrana e de Sicrano. Assim, não se tem dúvidas a
respeito de quem se fala.
Ir a Irará, ao menos uma vez por ano, é
dever de quem lá nasceu, dever cumprido à risca, seja para ouvir as bandas
locais, seja para os festejos de São João ou para as festas da Padroeira, seja
para rememorar o passado. Anda-se por aqueles caminhos, outrora poeirentos,
como se fossem as alamedas do Bois de
Bologne. Olha-se o velho sobrado do Cel. Elpídio Nogueira como a mirar o Coliseu Romano, sobe-se a ladeira da
fonte como se fosse a colina do Parthenon.
Iraraense de quatro costados,
encontrei, nos meus 20 anos de Fortaleza, a felicidade tão buscada. Como os
demais, vou ao torrão natal todos os anos, no meu caso com o saudosismo dos que
descem a ladeira da vida com os olhos
mirando para o alto. Lá, na Moscouzinha
da Bahia, relembro meu refúgio na verdadeira Moscou, para onde fui, meados dos
anos 60, a fim de escapar das garras ferozes e assassinas dos anos de chumbo. Na minha cidade, sertão
seco e pobre, relembro do aconchegante frio moscovita. Revejo, na praça da
Matriz, o Teatro Bolchói. Pelos
caminhos da Mangabeira, alcanço o Parque
Górki. No Comércio, sinto-me na Praça
Vermelha, a olhar os muros do Kremlin.
Descendo a rua de Baixo, estou a caminhar pela Lênine Prospekt. No velho bar do Coronel, bebo vodka como o fazia
no Beriozka do Hotel Aeroflot. Se entro na
Casa de Cultura, estou a visitar as galerias da Úlitsa Arbat. Apreciando a Filarmônica 25 de dezembro, pranteio,
como se escutasse as melodias do Coral
Púchkin. A velha casa da família é a datcha
dos meus dias de férias, nos arredores da capital da URSS. Inconscientemente, murmuro: Za izdarovie, Spassibo, Karachô, Továrich.
Nesses tempos do ético, social e
politicamente correto, em que a revolução ideológica deu lugar à das palavras,
espero que o meu Irará faça jus ao seus guerreiros do passado, mereça os
artistas de hoje e construa uma sociedade mais justa. Dô cvidânia.
Juracy
de Oliveira Paixão
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