O Comércio Iraraense e seu Status em Meados do Século XX
No primeiro terço do Século XX, a base do comércio nas
pequenas comunidades interioranas tinha seu suporte no atendimento das
necessidades fundamentais da população. O que se buscava era o que havia para
vender: alimentos de subsistência,
tecidos e sapatos rústicos, chapéus de baixa qualidade, ferramentas agrícolas,
utensílios caseiros. Enquanto o suprimento de alimentos básicos tinha sua fonte
na agricultura familiar e local, o abastecimento dos demais itens era feito,
principalmente, por tropeiros a serviço dos atacadistas da Capital.
Embora a
moeda já circulasse, grande parte dos negócios com os tropeiros tinham como
suporte a troca das mercadorias por produtos agrícolas locais ( em Irará,
notadamente o fumo em manocas e em corda). Bens mais sofisticados – louças
finas e jóias, por exemplo - somente podiam ser adquiridos quando algum familiar
se deslocava à Capital ou quando presentes especiais eram dados por ocasião de
casamentos na família. Móveis e utensílios eram frutos dos hábeis artífices da
comunidade.
Finda a Segunda
Guerra Mundial, os países periféricos – ditos aliados dos aliados vitoriosos – foram agraciados com grande quantidade de veículos militares (jeeps e caminhões) usados durante o
conflito, agora inúteis para as forças armadas vitoriosas. Esses veículos eram
importados a custo baixo e vendidos a alto preço para os nativos interessados.
O Brasil, assim, passou a ter uma considerável frota de caminhões (GMC e FORD), o que exigiu a abertura, às pressas, de uma ampla rede de
estradas de rodagem, a maioria com cobertura de cascalho.
Por volta
dos Anos
50, Irará passou a ter uma frota de caminhões de carga considerável,
levando-se em conta o tamanho da cidade. Caminhoneiros como Ospício (e filhos), Inácio, Zé Mendes e Zé Campos fizeram fama e
estrada por anos a fio. Esses caminhoneiros passaram a ser o elo entre o
comércio local e os armazéns da Capital, além de Feira de Santana, então forte
centro de distribuição de mercadorias. Os comerciantes da cidade, ao menos uma
vez por mês (alguns, mais afoitos, o faziam quinzenalmente), partiam para a Bahia (assim chamavam a velha capital)
na boleia do caminhão de sua preferência e de lá retornavam com os estoques
renovados para seus negócios: fardos
de charque do Rio Grande; amarrados de bagre e surubim salgados; caixas de
sardinha e azeite; latas de biscoitos; engradados de bebidas variadas; feixes
de enxadas, foices e estrovengas; caixotes com tecidos e sapatos da moda; embalagens com medicamentos e
perfumarias.
O comércio
local compunha-se de seis segmentos:
padaria,
farmácia, bar, loja, armazém e venda.
Padaria, mesmo, eram duas: a de Zinho Paes Coelho ( na Rua de Baixo, Beco do Mercado) e a de Zé Carvalho (na Praça do Comércio, lado oeste).Mais tarde Zinho passou seu negócio
para Pedro Vítor. As mercadorias
principais era o pão italiano, o cacetinho e a famosa bolacha fofa. Ah, sim, havia, ainda, o
macarrão nº zero, aquele furadinho.
Farmácia havia a de Chaves, na esquina da Praça com a Rua Manoel Julião. Depois
instalou-se a Farmácia Confiança , de
Manoelzinho da Paixão (mais tarde
vendida a Dr. Ramalho), na esquina da
Praça com o Beco de Elízio. Além dos medicamentos de marca, as farmácias ainda
aviavam as famosas receitas de manipulação, uma das principais formas de
tratamento da época, eficiente e barata. Os remédios campeões de vendas eram,
no entanto: Biotônico Fontoura, Tiro
Seguro e Vinho Reconstituinte Silva
Araújo.
O bar
principal era o de Éverton, logo
comprado por Manoelzinho e mais tarde
vendido a Bráulio Miranda. O
estabelecimento tinha dois grandes salões com mesas de bilhar e sinuca e
situava-se no início da Rua Direita,
vizinho à Farmácia Confiança. Logo Nelson Coronel abriu um bar concorrente
na esquina oposta, vizinho à barbearia de Pedro
Guarda. O bar de Nelson fez tanto
sucesso que se instalou uma filial na Rua
da Quixabeira, também com mesas de sinuca. Mais tarde Henrique abriu seu bar na Praça
(ao lado da loja de Éverton) e
seu irmão Zé Petu instalou seu
negócio na Rua Manoel Julião (quase em frente à tenda de Zé Estrela). O
forte do bar de Henrique era a
reunião de bebedores de cerveja a conversar fiado (e a beber no fiado...). Já Zé Petu privilegiava o carteado, no salão do fundo. Os bares
sofriam, ainda, a concorrência dos depósitos de bebidas: os mais conhecidos eram o de Tiano
(depois passado para Pedro de Tiano)
e o de Olavo, ambos na Rua de Baixo.
Irará era
farto de lojas: havia a de Pedro Martins, a de Éverton, a de Eduardo Portela,
a de Fernando, a de Teófilo e a de Zeca Caribé. Todas na Praça.
Nas lojas o sortimento ia de brim a gorgurão, de chita a tricoline, de seda a
fustão. Vendiam-se, ainda, os tradicionais chapéus de baeta marca Prada e perfumarias diversas, além de
sobrinhas e guarda-sóis.
Os armazéns preferenciavam a
comercialização de ferragens e artigos de couro, tintas, plásticos e similares.
Destacavam-se o ponto comercial de Cesário
Bacelar e o dos Barbosa, ambos no
lado leste da Praça.
A venda se constituía, ao lado da loja, na principal atividade comercial
da cidade. O ponto forte das vendas era o costume de vender fiado com anotação
em caderneta. Era o crédito direto, sem
fiador nem nota promissória:
coisa de quem confia no freguês. As vendas
se subdividiam em três segmentos:
No primeiro
segmento estavam os atacadistas, que possuíam grandes estoques e abasteciam os
pequenos comerciantes da cidade e redondezas. Seus proprietários eram Pedro Nolasco de Pinho (o Piroca Brejão) e Alfredo Pereira Franco (dono da primeira bomba de gasolina da
cidade). Ambos operavam na Praça.
Os Secos
e Molhados constituíam o
segundo segmento, pontos comerciais médios especializados em gêneros alimentícios
e utensílios domésticos (além de miudezas e bebidas). Fizeram fama, nesse
segmento, Lúcio de Jesus, Manoelzinho da Paixão e Naziazeno Barbosa (Nazi). Lúcio e Nazi tinham seus pontos comerciais na Praça e o de Manoelzinho ficava na Rua de
Baixo, esquina com o Beco do Mercado.
O terceiro
segmento era formado pelas quitandas, basicamente
comercializando gêneros alimentícios. A mais famosa era a de Dodó, na Rua de Baixo.
É de se
notar que o costume nomeava as casas comerciais pelos seus proprietários: o povo comprava na padaria de Zinho, na venda de Lúcio, na quitanda de Dodó, na loja de
Teófilo, no bar de Nelson, na farmácia de Chaves. Títulos como “A Violeta”, “A Confiança”, “A Moderna”,
“A Garota” não tinham personalidade e
nada significavam para o público. A publicidade de então residia na
credibilidade do dono do negócio e na fidelidade do seu freguês habitual.
Além dos
comércios tradicionais citados, merecem destaque especial as tendas,
pontos de negócio dos diversos artífices:
carpinteiros, ferreiros, sapateiros, tanoeiros, alfaiates, barbeiros, funileiros. Nomes como Zé Freitas, Mestre Cacimiro, Olavo, Valfredo, Zeca e Vavá sergipanos, Velho de Graziela, João
Tanoeiro, Marcelino, Pedro Barbeiro, Zé Estrela e tantos outros que moldaram,
calçaram, vestiram, mobiliaram, apararam e supriram os lares e gentes desta obra prima chamada Irará.
Juracy Paixão
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