As Muralhas da Cidade
Na Idade Média, os despóticos
governantes, pressionados pelo povo e temerosos da derrocada, construíam
fortificações ao redor das cidades, visando protegê-las contra o inimigo
externo. Tais fortificações, muralhas de cal e pedra, transformaram-se em
verdadeiras obras primas, muitas delas ainda sobrevivendo ao passar do tempo.
Os habitantes , sentindo-se devidamente guardados, levavam sua vida de súditos
na tranqüilidade permitida pela miséria e ignorância de então.
Nossa Fortaleza, loira desposada pelo
sol, também possui suas muralhas, que a protegem, não do inimigo externo, mas
da beleza do mar, do verde das matas ciliares de seus rios, da natureza que a
corta e cerca. Tais muralhas, construídas sob o olhar complacente dos governantes
democráticos de hoje, impedem que seus habitantes, nem tão miseráveis nem
tão ignorantes, possam ver o verde do mar bravio, a beleza das plantas e o
correr das águas.
Evidentemente que estou me referindo às
barreiras de arranha-céus que se erguem na faixa litorânea e às margens do
Cocó, num verdadeiro atentado contra o direito de convivermos em harmonia com a
natureza.
Os governantes de hoje, eleitos pelo
povo, são incapazes de entender que a proteção que o cidadão precisa não é a das fortalezas da Idade Média, mas a
decorrente da conquista democrática e da
cidadania. Incapazes – ou coniventes –, tais governantes se limitam a assinar
decretos, a promulgar leis e a recolher taxas. O resultado é o isolamento crescente
da população em verdadeiros currais de concreto. Esta, indefesa, vê seu
patrimônio natural ser dilapidado pela insânia e pela ganância desenfreada dos
especuladores.
Cada vez menos nossa vista pode
vislumbrar o azul do mar; cada vez menos sobra espaço para as verdes plantas
vicejarem. Os rios, espremidos e poluídos, secam.
Os órgãos de fiscalização se limitam ao
texto regulamentador de normas e leis arbitrárias, que nada garantem:
Os
Órgãos de Classe verificam se a obra em curso tem um técnico responsável. Não
importa se o empreendimento é responsável. O que tem valor e a existência
corporativista de um técnico assinando a barbárie.
A
SEMACE cobra uma análise de impacto ambiental. O que se busca não é evitar esse
impacto, mas constatar se a natureza, agredida, agüenta mais uma agressão.
A
Prefeitura quer saber se um alvará foi concedido, com o devido preenchimento
das petições e recolhimento das taxas. O orçamento municipal precisa ser
alcançado, mesmo que seja às custas da natureza.
Os
Guardiães das Leis respondem que somente podem agir se provocados, embora os
caminhos para a provocação sejam cobertos de pedras pontiagudas.
O
Estado, sobranceiro, diz que o problema não é de sua alçada. Como sabido, a
omissão é a mais grave forma de conivência.
Cabe ao povo apenas lamentar que a evolução
dos tempos tenha feito prosperar a insanidade, a desídia e a absoluta falta de
responsabilidade.
O Cocó, e suas margens, pede socorro. Somente uma cruzada
cívica dos cidadãos conscientes, como se fazia na Idade Média, poderá garantir
a preservação do que ainda nos resta de natureza.
Juracy de Oliveira Paixão
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