quarta-feira, 11 de maio de 2016

As Muralhas da Cidade



Na Idade Média, os despóticos governantes, pressionados pelo povo e temerosos da derrocada, construíam fortificações ao redor das cidades, visando protegê-las contra o inimigo externo. Tais fortificações, muralhas de cal e pedra, transformaram-se em verdadeiras obras primas, muitas delas ainda sobrevivendo ao passar do tempo. Os habitantes , sentindo-se devidamente guardados, levavam sua vida de súditos na tranqüilidade permitida pela miséria e ignorância de então.

Nossa Fortaleza, loira desposada pelo sol, também possui suas muralhas, que a protegem, não do inimigo externo, mas da beleza do mar, do verde das matas ciliares de seus rios, da natureza que a corta e cerca. Tais muralhas, construídas sob o olhar complacente dos governantes democráticos de hoje,  impedem  que seus habitantes, nem tão miseráveis nem tão ignorantes, possam ver o verde do mar bravio, a beleza das plantas e o correr das águas.

Evidentemente que estou me referindo às barreiras de arranha-céus que se erguem na faixa litorânea e às margens do Cocó, num verdadeiro atentado contra o direito de convivermos em harmonia com a natureza.

Os governantes de hoje, eleitos pelo povo, são incapazes de entender que a proteção que o cidadão precisa  não é a das fortalezas da Idade Média, mas a decorrente da conquista democrática  e da cidadania. Incapazes – ou coniventes –, tais governantes se limitam a assinar decretos, a promulgar leis e a recolher taxas. O resultado é o isolamento crescente da população em verdadeiros currais de concreto. Esta, indefesa, vê seu patrimônio natural ser dilapidado pela insânia e pela ganância desenfreada dos especuladores.

Cada vez menos nossa vista pode vislumbrar o azul do mar; cada vez menos sobra espaço para as verdes plantas vicejarem. Os rios, espremidos e poluídos, secam.

Os órgãos de fiscalização se limitam ao texto regulamentador de normas e leis arbitrárias, que nada garantem:

Os Órgãos de Classe verificam se a obra em curso tem um técnico responsável. Não importa se o empreendimento é responsável. O que tem valor e a existência corporativista de um técnico assinando a barbárie.
A SEMACE cobra uma análise de impacto ambiental. O que se busca não é evitar esse impacto, mas constatar se a natureza, agredida, agüenta mais uma agressão.
A Prefeitura quer saber se um alvará foi concedido, com o devido preenchimento das petições e recolhimento das taxas. O orçamento municipal precisa ser alcançado, mesmo que seja às custas da natureza.
Os Guardiães das Leis respondem que somente podem agir se provocados, embora os caminhos para a provocação sejam cobertos de pedras pontiagudas.
O Estado, sobranceiro, diz que o problema não é de sua alçada. Como sabido, a omissão é a mais grave forma de conivência.

Cabe ao povo apenas lamentar que a evolução dos tempos tenha feito prosperar a insanidade, a desídia e a absoluta falta de responsabilidade.

O Cocó, e suas margens, pede socorro. Somente uma cruzada cívica dos cidadãos conscientes, como se fazia na Idade Média, poderá garantir a preservação do que ainda nos resta de natureza.

Juracy de Oliveira Paixão

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